Investigação criminal 4.0: entre soluções e problemas

Artigo do sócio Luiz Eduardo Cani, publicado na Revista do Curso de Direito da UFSM.

 

Por Luiz Eduardo Cani e Alexandre Morais da Rosa

 

“Máquina máquina

Máquina máquina

Máquina máquina

Máquina máquina

Máquina máquina

Na na na na”

(Belchior. Máquina II)

 

RESUMO

A investigação criminal tradicional, pouco permeada pela tecnologia, está em crise por diversos fatores, desde a baixa densidade constitucional dos meios até a inviabilidade da execução analógica de algumas tarefas. Daí é que a introdução das novas tecnologias pode solucionar parcialmente alguns problemas da investigação tradicional, mas faz aparecer outras questões. O objetivo geral neste artigo é compreender algumas soluções tecnológicas, bem como os alguns dos respectivos problemas. O problema de pesquisa é: quais as principais soluções tecnológicas foram introduzidas na investigação criminal e que novos problemas decorrem dessa transformação? O método de abordagem, tanto na fase de pesquisa, quanto na fase de redação do artigo, é o indutivo, partindo-se da análise das especificidades do tema para inferir uma formulação geral acerca do tema. O método de procedimento é o monográfico. A técnica de pesquisa é a bibliográfica.

 

Palavras-chave: câmeras; inteligência artificial; novas tecnologias; revolução 4.0.

 

 

ABSTRACT

Traditional criminal investigation, little permeated by technology, is in crisis due to several factors, from the low constitutional density of the means to the infeasibility of the analogical execution of some tasks. Hence, the introduction of new technologies may partially solve some problems of traditional research, but it raises other issues. The general objective in this article is to understand some technological solutions, as well as some of the respective problems. The research problem is: what are the main technological solutions that have been introduced in criminal investigation and what new problems arise from this transformation? The approach method, both in the research phase and in the writing phase of the article, is inductive, starting from the analysis of the specificities of the theme to infer a general formulation about the theme. The procedural method is monographic. The research technique is bibliographic.

Keywords: cameras; artificial intelligence; new technologies; revolution 4.0.

 

 

RESUMEN

La investigación criminal tradicional, poco permeada por la tecnología, está en crisis debido a varios factores, desde la baja densidad constitucional de los medios de comunicación hasta la inviabilidad de la ejecución analógica de algunas tareas. Por lo tanto, la introducción de nuevas tecnologías puede resolver parcialmente algunos problemas de la investigación tradicional, pero plantea otros problemas. El objetivo general de este artículo es comprender algunas soluciones tecnológicas, así como algunos de los problemas respectivos. El problema de la investigación es: ¿cuáles son las principales soluciones tecnológicas que se han introducido en la investigación criminal y qué problemas nuevos surgen de esta transformación? El método de abordaje, tanto en la fase de investigación como en la fase de redacción del artículo, es inductivo, comenzando por el análisis de las especificidades del tema para inferir una formulación general sobre el tema. El método de procedimiento es monográfico. La técnica de investigación es bibliográfica.

 

Palabras clave: cámaras; inteligencia artificial; nuevas tecnologías; revolución 4.0.

 

 

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 VELHOS PROBLEMAS DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL; 2 SOLUÇÕES 4.0 PARA OS VELHOS PROBLEMAS; 3 NOVOS PROBLEMAS DECORRENTES DAS SOLUÇÕES 4.0; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.

INTRODUÇÃO

Em 1950, Alan Turing publicou o artigo Computing machinery and intelligence[1], referido como primeira contribuição significativa para a história da inteligência artificial. Tentativas de produção de inteligência artificial foram realizadas durante anos, mas as limitações de hardware para a computação resultaram no fracasso das tentativas. Desde os anos 2000, o desenvolvimento de hardware computacional foi exponencial. Mas as esperanças na inteligência artificial só foram renovadas a partir de 2012, quando Alex Krizhevsky desenvolveu uma rede neural profunda com a qual venceu o desafio ImageNet[2]. A partir de então, o desenvolvimento de outras tecnologias, de algum modo integradas à inteligência artificial, foi possível: aprendizagem de máquina, aprendizagem profunda, grande conjunto de dados, câmeras com reconhecimento facial, identificação biométrica digital, internet das coisas, mineração de dados, etc.

Nesse contexto de desenvolvimento científico e tecnológico, sobretudo durante a última década, ocorreram alterações substanciais em diversas atividades. Está-se a vivenciar a revolução 4.0, isto é, a virada de chave do paradigma analógico para o paradigma digital. No Direito, os impactos variam desde a substituição de documentos físicos por documentos digitais (inclusive dos autos processuais), até a execução por softwares de tarefas de apoio anteriormente realizadas por humanos (pesquisa doutrinária e jurisprudencial, redação de minutas de documentos, etc.). No caso específico da investigação criminal, os últimos cinco anos demarcam o giro tecnológico.

O objeto deste artigo é formado pelos problemas centrais da investigação criminal e da implementação de novas tecnologias a fim de solucionar esses problemas centrais. Muitos outros problemas e, consequentemente, muitas outras soluções poderiam ser apontadas: os problemas de entendimento entre policiais, sujeitos processuais, arguidos, vítimas, testemunhas e auxiliares da Justiça falantes de idiomas distintos, e as soluções com algoritmos de tradução de idiomas; os problemas da impossibilidade de rastreio das provas digitais e as soluções para criar cadeia de custódia das provas digitais; problemas decorrentes da falta de meios para realizar investigação defensiva e as soluções envolvendo bancos de dados privados com informações, quebra de privacidade de dados de redes sociais e de contas de e-mail[3]; os problemas para obtenção de dados sigilosos ou protegidos pelo direito à privacidade e as soluções com acessos não autorizados a aparelhos informáticos; etc. Cada caso desses merece investigação aprofundada que ensejará a publicação de vários trabalhos acadêmicos, mas a impossibilidade de abordar a todos enseja o recorte.

Para que seja possível executar a pesquisa, na trilha do câmbio paradigmático, o problema investigado é: quais soluções e problemas a introdução de novas tecnologias produziu na investigação criminal?[4] O objetivo geral é compreender as soluções e os novos problemas decorrentes dessas soluções. Os objetivos específicos são apresentar alguns dos problemas da investigação criminal tradicional, explicar algumas das soluções tecnológicas empregadas na tentativa de solucionar os àqueles problemas e analisar problemas decorrentes das soluções. Cada objetivo é executado em um dos tópicos do artigo.

O método de abordagem, tanto na fase de pesquisa, quanto na fase de redação do artigo, é o indutivo, partindo-se da análise das especificidades do tema para inferir uma formulação geral acerca do tema. O método de procedimento é o monográfico. A técnica de pesquisa é a bibliográfica.

No primeiro item deste artigo, apresenta-se os problemas da investigação criminal tradicional que se reputa centrais. No segundo, explica-se algumas das soluções tecnológicas empregadas na tentativa de solucionar os àqueles problemas. No terceiro, analisa-se problemas decorrentes das soluções.

1 VELHOS PROBLEMAS DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

Dentre os velhos problemas da investigação criminal, quatro são os principais, alguns dos quais também decorrem da estrutura inquisitória do processo penal brasileiro: (1) o procedimento misto, composto pela estrutura bifásica; (2) a burocracia com escrituração de todos atos e lentidão na tramitação; (3) não reconhecimento de defeitos processuais decorrentes das nulidades do inquérito; e (4) abusos de autoridade.

Primeiro, a estrutura bifásica (investigação e processo) do direito processual penal brasileiro remonta ao Code d’instruction criminelle francês de 1808[5], supostamente projetado para solucionar o impasse entre adeptos e detratores do tribunal do júri inglês. O projeto foi composto pelo acoplamento de duas fases antagônicas. A primeira fase, destinada a apurar a existência de elementos para dar levar um caso a julgamento pelo corpo de jurados, era realizada inquisitorialmente. A segunda fase, de julgamento do caso pelo júri, era realizada acusatoriamente[6].

A solução da controvérsia foi apenas ilusória, pois trata-se da junção de um procedimento investigatório inspirado na Ordonnance criminelle francesa de 1670, objeto de severas críticas dos iluministas, a um procedimento inspirado no tribunal do júri inglês, elogiado pelos iluministas. A engenhosidade, contudo, reside num detalhe: os atos da primeira fase podiam ser utilizados na segunda fase. Daí porque, não raro, o júri era transformado em um espetáculo no qual as partes liam as declarações obtidas na primeira fase[7]. A mesma estratégia engenhosa foi inserida no art. 155 do Código de processo penal brasileiro para autorizar o julgamento com base nos elementos obtidos na investigação, apesar da vedação de uso de elementos exclusivamente investigatórios[8] – exceção facilmente contornável com malabarismos linguísticos e mantras jurisprudenciais. Essa regra altera completamente o sistema processual penal[9], pois, se a primeira fase é realizada inquisitorialmente e os atos valem na segunda fase, ainda que o processo seja acusatório, estará atravessado pelos atos realizados inquisitorialmente.

Segundo, a burocracia é inerente a um modelo jurisdicional de trâmite, cuja centralidade do desenvolvimento processual está na criação de etapas: despachos, atos ordinatórios, certidões, cartas, petições intermediárias, atas, termos etc. Daí surgiram as infindáveis mudanças de localização – no processo eletrônico, os escaninhos foram convertidos em filas digitais para tarefas específicas. As audiências são meras etapas do trâmite, nas quais se perde a oportunidade de sanear o processo. O papel é um fim em si mesmo.

Mas a burocracia também decorre, em parte, do procedimento misto acoplado ao aproveitamento dos elementos de investigação como provas no processo, na medida em que o processo se torna mero ritual de passagem ou, melhor, mera repetição dos elementos de investigação. Anos depois de depor para a investigação, poucas pessoas conseguem recuperar as memórias para depor novamente no processo ou depõem sobre falsas memórias[10]. A solução encontrada por muitos, não aprovada no teste de doping[11], é ler os termos de depoimentos prestados na investigação e perguntar às pessoas se reconhecem as assinaturas nos documentos. O contraditório resta fulminado pela impossibilidade de questionar o teor de declarações reduzidas a termo[12] e, no lugar de provas, tem-se evidências que geram efeito alucinatório[13]. Assim, do processo sobra apenas o nome – se entender-se que processo é procedimento em contraditório (Elio Fazzalari[14]).

Ademais, a lentidão decorrente da burocracia também produz um Judiciário ineficaz, cujas decisões, proferidas intempestivamente, muitas vezes não responde às demandas. No caso específico do processo penal, a burocracia resulta na demora para decidir sobre a decretação e revogação de medidas cautelares, sobre a produção antecipada de prova, bem como para julgar o arguido[15].

Terceiro, o não reconhecimento de defeitos processuais decorrentes das nulidades[16] do inquérito também é corolário do procedimento misto, na medida em que é fruto de uma tautologia: os elementos de investigação, obtidos mediante atos nulos, supostamente não invalidam o processo, mas podem ser fundamentar condenações, pois basta que a autoridade policial não reconheça as invalidades[17] e que a denúncia seja recebida – é recorrente a afirmação de que a decisão de recebimento da denúncia convalida as nulidades do inquérito.

A jurisprudência sobre o tema é composta por mantras despejados num depósito de senso comum teórico[18]. São discursos de imunização destinados a conservar erros na execução do sistema de justiça criminal, ao custo da violação de direitos fundamentais. Dentre os mantras, encontra-se: “irregularidades verificadas no decorrer do inquérito policial não contaminam a ação penal”[19], “máculas ocorridas no inquérito não contaminam a ação penal, mormente quando o ato supostamente viciado foi renovado em juízo, com observância dos preceitos legais”[20], “vícios ocorridos no inquérito policial não se transmudam automaticamente para o processo”[21], etc.

Quarto, os abusos de autoridade perpetrados por policiais são frequentemente denunciados, muitos dos quais herdam das práticas inquisitórias o instrumento por excelência: a tortura. O estereótipo do policial hollywoodiano é facilmente recuperado da memória: homem, musculoso, dirige um carro potente, usa óculos de sol, jaqueta de couro, bebe e fuma repetidamente, tem problemas familiares, não poupa esforços na “luta contra o crime” (rectius: viola direitos fundamentais para punir a todo custo) e espanca os malvados bandidos – os quais culpa por todos os problemas da humanidade, ainda que a maioria dos crimes praticados não sejam executados com violência ou ameaça.

Esse modelo 2 em 1, caricatura do policial justiceiro (ou justiceiro policial?), é o exemplo perfeito das condições de trabalho que permitem a perpetuação dos abusos de autoridade: realização de trabalho externo, sem identificação (farda e/ou distintivo policial), longe de câmeras, geralmente em comunidades periféricas, abordagem de pessoas que desconhecem os próprios direitos, muitas vezes sem testemunhas das abordagens. Enfim, um prato feito para invadir domicílios, colher declarações falsas de consentimento para entrada no domicílio, forjar flagrantes, bater em e/ou torturar testemunhas e suspeitos, etc.

2 SOLUÇÕES 4.0 PARA OS VELHOS PROBLEMAS

As novas tecnologias não permitem ir ao cerne dos problemas da investigação criminal tradicional: o procedimento misto, uma herança inquisitória. Apontou-se esse procedimento como primeiro problema da investigação criminal por ser o ponto de convergência dos problemas. A solução para isso demanda uma mudança legislativa e uma mudança de mentalidade. A mudança legislativa pode ter chegado com a criação do juiz das garantias[22], por meio da Lei 13.964/19[23]: o juiz das garantias é competente para controlar a legalidade da investigação criminal e para decidir sobre medidas cautelares e sobre o recebimento da denúncia. A mudança de mentalidade demandará a introdução de novas práticas e tempo para que os atores processuais assimilem as normas (novas e também as constitucionais ainda não efetivadas no país) e se adequem à estrutura e ao funcionamento do sistema processual penal constitucional.

Ainda assim, as novas tecnologias podem solucionar os reflexos do procedimento bifásico, pois possibilitam novas práticas e, consequentemente, podem se refletir na efetivação das normas constitucionais, mas não solucionam o problema estrutural do procedimento misto. As finalidades variam de acordo com as soluções e serão comentadas pontualmente. Dentre os meios já implementados, parece-nos que os quatro principais são: (1) gravação de oitivas realizadas nas delegacias de polícia; (2) gravação das rotinas policiais com câmeras individuais, acopladas às fardas; (3) vigilância de espaços públicos por meio de câmeras integradas com inteligência artificial para reconhecimento facial[24]; (4) algoritmos para supostamente auferir a periculosidade dos arguidos.

Primeiro, a gravação das oitivas realizadas nas delegacias de polícia foi iniciada tanto para assegurar a licitude da prisão em flagrante e da confissão, bem como a validade do auto de prisão em flagrante, quanto para desburocratizar a investigação criminal. Ou seja, essa medida visa evitar nulidades, abusos de autoridade e acelerar a tramitação do inquérito policial. Um dos projetos pioneiros nesse sentido foi implementado na Central de Plantão Policial de São José, em Santa Catarina[25]. Com isso, as autoridades policiais e judiciárias também pretendem dar maior credibilidade aos atos de investigação.

Segundo, a gravação das rotinas policiais com câmeras individuais acopladas aos trajes também teve um projeto pioneiro em Santa Catarina: a Polícia Militar adquiriu 2.425 câmeras com os 6,2 milhões de reais arrecadados pelo Conselho Gestor de Penas Pecuniárias e repassados pelo Tribunal de Justiça do Estado[26]. As câmeras individuais visam evitar nulidades, abusos de autoridade e dar maior credibilidade aos atos de investigação[27]. Iniciativa semelhante está em discussão na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro: o projeto de lei nº 265/2015 trata da instalação câmeras de vídeo e áudio nas viaturas e nos uniformes de policiais militares e de policiais civis da CORE para fiscalizar a legalidade das abordagens policiais[28].

Terceiro, a vigilância de espaços públicos por meio de câmeras com tecnologia de reconhecimento facial embarcada começou a se popularizar por força das promessas de redução das cifras de criminalidade, de facilitação da captura de foragidos e de identificação de autores de crimes. A medida visa evitar nulidades na execução do procedimento de reconhecimento pessoal, evitar a ilicitude da obtenção de prova sobre a autoria da infração penal, bem como reduzir o tempo de tramitação das investigações (reconhecimento dos autores e captura dos foragidos). Nesse sentido, a implementação dessa nova tecnologia se deu em muitos locais. A China está infestada com mais de 200 milhões de câmeras integradas com algoritmos de reconhecimento facial[29]. Em 2019, o Brasil iniciou a implementação de um sistema integrado, formado por onze ferramentas que operam com inteligência artificial e big data[30] – a introdução das câmeras para reconhecimento facial é apenas questão de tempo.

Quarto, algoritmos para supostamente auferir a periculosidade dos arguidos impregnam o imaginário social regado a filmes de ficção científica. Talvez o filme de ficção científica mais parecido com esses algoritmos seja Minority Report: os precogs, super-humanos com poderes premonitórios, permitiam a execução da tarefa policial no momento pré-crime (nos atos preparatórios ou entre o início da execução e antes da consumação do resultado – tentativa). Esse tipo de algoritmos pode ser utilizado para auferir a necessidade de medidas cautelares (por risco de fuga ou interferência na investigação criminal) e de produção antecipada de provas (pelo risco de destruição de provas ou de coação de testemunhas), bem como para estabelecer diretrizes político criminais preventivas, como o patrulhamento policial de determinados locais em determinados horários. A finalidade é reduzir o tempo de duração da investigação.

3 NOVOS PROBLEMAS DECORRENTES DAS SOLUÇÕES 4.0

Cada solução 4.0 para os problemas tradicionais da investigação criminal, como não poderia deixar de ser, mirou apenas na tentativa, sempre parcial, de aprimorar as faltas e insuficiências do paradigma estabelecido. Então, antes da implementação, muitos dos problemas derivados do uso cotidiano são imprevistos ou imprevisíveis – mas não tardam a surgir. As soluções analisadas no item anterior produzem cinco problemas principais: (1) eficientismo punitivista (aceleração ao preço da violação de garantias); (2) inflação da investigação criminal; (3) violações de privacidade; (4) ausência de regulamentação expressa sobre a inexistência de gravação; (5) erros em reconhecimentos faciais realizados por algoritmos, sobretudo em razão do viés racista dos algoritmos by design[31].

Primeiro, os principais problemas, advindos das medidas que visam dar maior celeridade ou, melhor, acelerar a tramitação dos procedimentos[32], pois dispensam narrativas, em conformidade com a mentalidade inquisitória, segundo a qual os procedimentos (inclusive os processos: procedimentos em contraditório) não têm narrativas, apenas contabilizam informações (documentos, elementos de investigação, provas, decisões etc.). Noutros termos, segundo a concepção inquisitória, os procedimentos são apenas espetáculos públicos[33]. Em que pese poder-se reformar os rituais do processo para antecipar a construção das narrativas, o processo acusatório constitucional se aproxima das procissões[34], pois as narrativas são indispensáveis para o desenvolvimento em contraditório, observado o fair play[35]. De algum modo, mas distintamente, as quatro soluções 4.0 apontadas no item anterior têm, dentre as finalidades, a de acelerar a investigação – e nisso podem ser deturpadas, convertidas em medidas eficientistas.

Segundo, a inflação da investigação criminal decorre da preponderância das gravações de atos de investigação, tanto com câmeras individuais, quanto nos atos realizados nas delegacias, em detrimento da produção de provas (fase processual). A fim de evitar nulidades, abusos de autoridade (com consequente contaminação das provas obtidas ilicitamente) e, assim, atribuir maior credibilidade aos atos, as investigações podem se estender indefinidamente. Ocorrendo isso, a almejada celeridade da investigação criminal será perdida, bem como o processo poderá se tornar mero espetáculo de leitura dos elementos de investigação. Por um lado, isso viola a presunção de inocência[36], por outro, esvazia a justificativa da existência do processo[37] – e, em última análise, do Judiciário, pois, se a jurisdição for mera declaração acerca dos atos de investigação, bastaria a existência da polícia[38].

Terceiro, gravações por meio de câmeras individuais nos uniformes policiais e de sistemas de vigilância com algoritmos de reconhecimento facial embarcados violam indevidamente o direito à privacidade de milhares, senão milhões de pessoas todos os dias. Isso acontece com todas as pessoas que entram no campo de alcance das câmeras, desde pessoas que passam pela frente das câmeras até abordadas em blitzen para testes de alcoolemia sem qualquer motivação para o ato[39]. O intervalo entre as pessoas sem qualquer relação com os fatos e as pessoas abordadas por engano (algumas vezes por abuso de autoridade) corresponde a maioria dos arquivos audiovisuais gravados. As pessoas identificadas pelos algoritmos de reconhecimento facial como foragidas ou responsáveis por praticar crimes, bem como as pessoas presas ou abordadas devidamente por policiais são a minoria.

Quarto, das quatro soluções apontadas, três envolvem câmeras para gravação de atos, mas não há regulamentação expressa sobre a inexistência de gravação e sobre as inconsistências (alterações nos arquivos[40], bloqueio da câmera e/ou do microfone para não capturar imagens ou sons, etc.). Nesse sentido, as câmeras estão à disposição do Estado, cujos agentes são os únicos com possibilidade de realizar as gravações. Vale dizer, a prova sobre o reconhecimento facial realizado por algoritmos, a prova sobre a licitude do ingresso de policiais na casa de uma pessoa suspeita, a prova da inexistência de abuso de autoridade durante a abordagem e da prisão de alguém, demandam ações de agentes estatais – as ações dos arguidos não influem nisso.

Quinto, a introdução de algoritmos para realizar reconhecimentos faciais ensejou nos últimos tempos várias críticas e resultou na suspensão da implementação dessa tecnologia[41]. Tudo isso porque muitos dirigentes policiais denunciaram altas taxas de erros nos reconhecimentos realizados. Em Londres, um sistema desenvolvido por uma companhia de tecnologia japonesa e utilizado desde 2016 apresentou erros em 81% das identificações realizadas[42]. São Francisco foi a primeira cidade dos Estados Unidos a banir o uso de reconhecimento facial por algoritmos[43]. O chefe de polícia de Detroit declarou que o software de reconhecimento facial regulamentado naquela cidade identifica erroneamente 96% das vezes[44]. O homicídio de George Floyd e a prisão de Robert Julian-Borchak Williams[45] por erro no reconhecimento facial realizado por algoritmo ensejaram protestos antirracistas em vários países e deram força ao debate sobre o viés racista dos algoritmos by design[46]. Por fim, após o anúncio de uma rede neural mágica, capaz de predizer, a partir da análise de uma foto, se uma pessoa praticaria crimes, o autor do estudo pediu a retirada da notícia do site da Harrisburg University of Science and Technology[47].

CONCLUSÃO

O primeiro problema pode ser resolvido com a implementação de um modelo de administração judiciária por audiências, de modo que, primeiro o caso seja preparado para julgamento, com os aspectos controvertidos e as provas lícitas a utilizar na instrução processual, sejam resolvidas em uma audiência intermediária; segundo, na audiência de instrução e julgamento todas as provas admitidas na audiência intermediária sejam produzidas, depois elaboradas as alegações finais e, ao final, proferida a sentença. Tanto a efetivação da oralidade processual nessas duas audiências, quanto o uso, quando cabíveis, de alternativas ao processo (composição civil dos danos, transação penal, suspensão condicional do processo e acordo de não persecução penal) são indispensáveis para reduzir o tempo de tramitação processual.

O segundo novo problema pode ser resolvido pelo juiz das garantias, com a vedação de cognição dos elementos de investigação pelo juiz, evitando a contaminação cognitiva.

O terceiro problema, ainda que se concorde com as restrições e violações ao direito à privacidade da maioria das pessoas justificadas pela necessidade de agir contra a minoria, demanda regulamentação do uso dos arquivos audiovisuais para que o grande grupo, das pessoas não relacionadas a fatos criminosos, não possa ser exposto, assim como para que as imagens das pessoas relacionadas aos fatos criminosos só possam ser utilizadas na investigação/processo em que foram produzidas ou como prova emprestada cível, administrativa e/ou criminal, desde que observadas a cadeia de custódia, a presunção de inocência e a oralidade.

O quarto problema pode ser resolvido pela teoria da perda de uma chance probatória atravessada pela interpretação das dúvidas em favor dos arguidos (in dubio pro reo), de modo a assegurar a presunção constitucional de inocência.

O quinto problema pode não ter solução ou, pelo menos, não neste momento. Pode ser essa a causa do abandono dos projetos de reconhecimento facial pela Microsoft, IBM e Amazon neste momento. De todo modo, a redução dos vieses nos reconhecimentos demanda que os algoritmos sejam projetados por equipes plurais, pois, assim, múltiplas perspectivas e necessidades podem ser observadas na elaboração do projeto, bem como os dados utilizados no treinamento de inteligência artificial podem ser mais plurais. Consequentemente, as tecnologias serão mais plurais e estarão orientadas por olhares multifocais.

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[1] TURING, Alan. Computing machinery and intelligence. Mind, v. 49, pp. 433-460, 1950.

[2] IMAGENET. Large Scale Visual Recognition Challenge 2012. Disponível em: http://image-net.org/challenges/LSVRC/2012/index. Acesso em: 29 jun. 2020.

[3] Sobre: MORAIS DA ROSA, Alexandre; VIEIRA, Marília Raposo. Cloud Act: quando a investigação se dá nas nuvens americanas. Consultor Jurídico, 22 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-nov-22/limite-penal-cloud-act-quando-investigacao-nuvens-americanas. Acesso em: 29 jun. 2020: “O Cloud Act regulamentou o que já ocorria nos EUA […], não alterando os padrões existentes nas leis dos EUA, pois devem ser cumpridos os requisitos antes de as agências de aplicação da lei possam exigir a divulgação de dados eletrônicos. Assim, o Cloud Act permite aos Estados Unidos ajudar parceiros de aplicação das leis a obter informações eletrônicas de evidências de CSPs [Communications Service Provider] globais baseados nos EUA, para solução de crimes mais graves com eficiência. O único efeito legal dos acordos CLOUD é eliminar os conflitos legais para ordens qualificadas. Os acordos do CLOUD Act requerem significativas proteções de privacidade e comprometimento com as regras da lei.”

[4] Impende destacar que as soluções 4.0 são majoritariamente implementadas na investigação criminal realizada pela Polícia e pelo Ministério Público, pois a investigação defensiva ainda é incipiente – o que não significa que inexista. Por esse motivo, o recorte não abrange a investigação criminal defensiva.

[5] Fonte de inspiração do Codice de procedura penale italiano de 1930 e esse, por sua vez, fonte de inspiração do Código de processo penal brasileiro de 1941.

[6] CORDERO, Franco. Guida alla procedura penale. Turim: UTET, 1986, p. 73: “E così, dalla l. 17 novembre 1808, nasce il processo cosiddetto misto, mostro a due teste: nei labirinti bui dell’instruction regna Luigi XIV; segue una scena disputata coram populo. A qualcuno sembra un capolavoro: secando gli eufemisti, «l’information préliminaire» quale appare nell’ordonnance 1670, «est une des plus précieuses conquêtes de la législation»; abilmente condotta, «elle protége les droits des citoyens contre des mesures imprudentes; elle prépare le jugement; elle en assure la sagesse»; insomma, e il lascito «le plus fécond» dei Quattrocento ai moderni.

[7] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. (Org.). O novo processo penal à luz da Constituição: análise crítica do Projeto de Lei n. 156/2009, do Senado Federal. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, v. 1, p. 10: “No fundo, toda a prova produzida na primeira fase da persecução, de regra por um juiz instrutor, na investigação preliminar puramente inquisitorial, era usada na fase processual, por exemplo, por sua leitura no chamado Jugement. A sessão virava, como era sintomático, teatro, não raro pantomima; puro embuste; e os discursos, pomposos e longos, inflação fonética. As cartas do jogo já estavam marcadas e para desdizer isso era preciso desacreditar na figura democrática do juiz instrutor, tão inquisidor quanto qualquer outro que, na história, ocupou aquele lugar.”

[8] BRASIL. Decreto-lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. In: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 03 out. 1941. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 29 jun. 2020: “Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”

[9] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. (Org.). Crítica à teoria geral do Direito processual penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 17-18: “conjunto de temas, colocados em relação, por um princípio unificador, que formam um todo pretensamente orgânico, destinado a uma determinada finalidade.” COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O núcleo do problema no sistema processual penal brasileiro. Boletim IBCCRIM, v. 175, p. 11-13, 2007, p. 12: “um sistema processual se define pela gestão da prova e a quem ela cabe”.

[10] NEUFELD, Carmem Beatriz; BRUST, Priscila Goergen; STEIN, Lilian Milnitsky. Compreendendo o fenômeno das falsas memórias. In: STEIN, Lilian Milnitsky et al. Falsas memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre: Artmed, 2010, p. 21-22: “As FM [falsas memórias] podem parecer muito brilhantes, contendo mais detalhes, ou até mesmo mais vívidas que as memórias verdadeiras (MV). […] as FM não são mentiras ou fantasias das pessoas, elas são semelhantes às MV, tanto no que tange a sua base cognitiva quanto neurofisiológica […]. No entanto, diferenciam-se das verdadeiras, pelo fato de as FM serem compostas no todo ou em parte por lembranças de informações ou eventos que não ocorreram na realidade. As FM são frutos do funcionamento normal, não patológico, de nossa memória.”

[11] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia do processo penal conforme a Teoria dos Jogos. 6. ed. Florianópois: EMais, 2020, p. 641: “A teoria das nulidades, articulada pelo senso comum teórico, não consegue entender que o desenrolar do jogo processual prevalece sobre o resultado. Mesmo com uma vitória processual, no fundo, o que há é fraude. Daí que se aponta a metáfora do doping como novo significante a ser, quem sabe, aprofundado e empregado na compreensão democrática de devido processo legal substancial, lido conforme a Teoria dos Jogos e fair play.

[12] LOPES JR., Aury; MORAIS DA ROSA, Alexandre. Por que “depoimentos” prestados em delegacia não podem ser usados em juízo?. Consultor Jurídico, São Paulo, 27 mar. 2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-mar-27/limite-penal-depoimentos-prestados-delegacia-nao-podem-usados-juizo. Acesso em: 29 jun. 2020: “Assim, como passe de mágica, em uma leitura obtusa do art. 155 do CPP, não se pode requentar os depoimentos prestados à autoridade policial porque violam o contraditório na produção da prova”

[13] Ao contrário da tradição da common law, em que evidence é meio de prova e proof é o resultado da prova, no Brasil, evidente é o que independe de provas. Isso gera um ponto cego, um encobrimento justo naquilo que é mais importante para o processo: na necessidade de provar. Vide: MARTINS, Rui Cunha. O ponto cego do direito: the brazilian lessons. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. Portanto, as afirmações se tornam autorreferenciadas, pois cumulam a função da atividade probatória – ou escamoteiam essa função na tarefa argumentativa. Enfim, um efeito alucinatório decorrente da cognição dos elementos de investigação.

[14]    FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. Padova: CEDAM, 1994, p. 85-86.

[15] A burocracia reforça o paradoxo ínsito ao processo. LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 341: “um juiz julgando no presente (hoje) um homem e seu fato ocorrido num passado distante (anteontem), com base na prova colhida num passado próximo (ontem) e projetando efeitos (pena) para o futuro (amanhã).”

[16] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia do processo penal conforme a Teoria dos Jogos. 6. ed. Florianópois: EMais, 2020, p. 637: “Sem a presença efetiva e atitude garantidora do agente punidor as regras não serão observadas. Há um afrouxamento das diretrizes diante da possibilidade de que o deslize normativo possa auxiliar a estratégia vitoriosa. […] Quando todo mundo quer manipular e o juiz não controla a nulidade, no fundo, o Estado se demite da função de mediador da violência privada, ampliando a deslegitimação do provimento judicial. A garantia da eficácia das regras procedimentais é o pressuposto do devido processo legal substancial.”

[17] A administração pública pode reconhecer a nulidade dos próprios atos administrativos. As autoridades policiais são competentes para reconhecer as nulidades dos atos de investigação realizados pelas respectivas polícias. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 473. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=1602. Acesso em: 29 jun. 2020: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”

[18] WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito: a epistemologia jurídica da modernidade. Trad. José Luís Bolzan de Morais. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1995, p. 15: “Os juristas contam com um emaranhado de costumes intelectuais que são aceitos como verdades de princípios para ocultar o componente político da investigação de verdades. Por conseguinte se canonizam-se certas imagens e crenças, para preservar o segredo que esconde as verdades. O senso comum teórico dos juristas é o lugar do secreto. As representações que o integram pulverizam nossa compreensão do fato de que a história das verdades jurídicas é inseparável (até o momento) da história do poder.”

[19] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão de decisão que não conheceu o habeas corpus e negou a concessão de ordem ex officio. Habeas corpus nº 353.232. Valdir Guedes da Silva e Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Relator: Ministro Jorge Mussi. 01 de agosto de 2006. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1523775&num_registro=201600923027&data=20160801&formato=PDF. Acesso em: 29 jun. 2020.

[20] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão de decisão que negou provimento ao recurso. Agravo regimental no recurso especial nº 1.406.481. Ministério Público Federal e Diego de Oliveira Tomaz. Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior. 28 de abril de 2015. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1402660&num_registro=201303238380&data=20150506&formato=PDF. Acesso em: 29 jun. 2020.

[21] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão de decisão que negou provimento ao recurso. Recurso em habeas corpus nº 65.977. Maria de Lourdes Ferreira da Silva e Ministério Público Federal. Relator: Ministro Nefi Cordeiro. 17 de março de 2016. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1495577&num_registro=201503022934&data=20160317&formato=PDF. Acesso em: 29 jun. 2020.

[22] SAMPAIO, André Rocha; SANTOS, Hugo Leonardo Rodrigues. A exclusão física dos autos de investigação: um olhar sóbrio, mas não pessimista. In: CAMARGO, Rodrigo Oliveira de; FELIX, Yuri. Pacote anticrime: reformas processuais. Reflexões críticas à luz da Lei 13.964/2019. Florianópolis: EMais, 2020, p. 99-100: “A Lei 13.964/19 […] apresenta mudanças em três flancos […]: a disposição do sistema como acusatório, retirando do juiz a função substitutiva da atividade probatória da acusação (art. 3º-A), a instituição do juiz de garantias (art. 3º-B) e, por fim, a exclusão física do fascículo investigativo dos autos do processo (§ 3º do art. 3º-C). […] como conciliar o referido dispositivo com o ainda vigente artigo 155 do CPP? Parece-nos que duas opções se despontam: ou tratou-se de revogação tácita do artigo 155, de modo que o juiz da causa está proibido de fundamentar a sentença com base em atos de investigação repetíveis, ainda que não exclusivamente neles […]; ou […] o artigo 3º-C em seu parágrafo terceiro veda o juiz da causa de ter contato com os atos investigativos repetíveis, mas não impediria que qualquer das partes requeresse sua juntada.” A hipótese coerente parece ser a primeira, porquanto a segunda consiste em burla da proibição.

[23] BRASIL. Lei nº 13.684 de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. In: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 dez. 1941. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm. Acesso em: 29 jun. 2020.

[24] Os arquivos audiovisuais produzidos por meio das câmeras individuais e dos sistemas de monitoramento são fontes de prova sobre a licitude da prisão em flagrante, a ser apurada na audiência de custódia, e sobre a obtenção ilícita de algumas outras provas.

[25] SANTA CATARINA. Polícia Civil. Polícia Civil implementa sistema de gravação audiovisual nas CPPs da Capital e Palhoça. Disponível em: http://www.pc.sc.gov.br/informacoes/noticias/32-florianopolis-delegacia-geral-da-policia-civil/29379-policia-civil-implementa-sistema-de-gravacao-audiovisual-nas-cpps-da-capital-e-palhoca. Acesso em: 29 jun. 2020.

[26] SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Com investimento de R$ 6,2 milhões do TJ, PM implanta câmeras individuais no Estado. Disponível em: https://www.tjsc.jus.br/web/imprensa/-/com-investimento-de-r-6-2-milhoes-do-tj-pm-implanta-cameras-individuais-no-estado. Acesso em: 29 abr. 2020.

[27] Apesar de não ser objeto deste artigo, também visa proteger os policiais contra persecuções penais por ilícitos penais não praticados.

[28] Cuja justificativa principal é: “Com o advento das novas tecnologias de mídia e troca de dados em tempo real, o trabalho do policial deixa de conter mera presunção de legalidade e ganha uma possibilidade real de controle da mesma. […] pretende a presente emenda possibilitar um maior controle de legalidade por parte dos poderes constituídos sobre os atos praticados pelos agentes de segurança no exercício de suas funções.” RIO DE JANEIRO. Assembleia Legislativa. Projeto de lei nº 265 de 31 de março de 2015. Modifica a Lei 5588 de 07 de dezembro de 2009 que determina a implantação de sistema de vídeo e áudio nas viaturas automotivas que menciona. Disponível em: http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/scpro1519.nsf/18c1dd68f96be3e7832566ec0018d833/877b829b4180aa8283257e19006da42e?OpenDocument. Acesso em: 29 jun. 2020.

[29] HAN, Byung-Chul. O coronavírus de hoje e o mundo de amanhã, segundo o filósofo Byung-Chul Han. El País Brasil, 22 mar. 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/ideas/2020-03-22/o-coronavirus-de-hoje-e-o-mundo-de-amanha-segundo-o-filosofo-byung-chul-han.html.  Acesso em: 29 jun. 2020: “Na China existem 200 milhões de câmeras de vigilância, muitas delas com uma técnica muito eficiente de reconhecimento facial. Captam até mesmo as pintas no rosto. Não é possível escapar da câmera de vigilância. Essas câmeras dotadas de inteligência artificial podem observar e avaliar qualquer um nos espaços públicos, nas lojas, nas ruas, nas estações e nos aeroportos. […] Na China e em outros Estados asiáticos como a Coreia do Sul, Hong Kong, Singapura, Taiwan e Japão não existe uma consciência crítica diante da vigilância digital e o big data. A digitalização os embriaga diretamente. Isso obedece também a um motivo cultural. Na Ásia impera o coletivismo.”

[30] BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ministério entrega aos estados primeiras ferramentas de Big Data e Inteligência Artificial para combater a criminalidade. Disponível em: https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1566331890.72. Acesso em: 29 jun. 2020.

[31] Decorrente de critérios racistas introduzidos na criação ou no treinamento do algoritmo. BOEING, Daniel Henrique Arruda; MORAIS DA ROSA, Alexandre. Ensinando um robô a julgar: pragmática, discricionariedade, heurísticas e vieses no uso do aprendizado de máquina no Judiciário. Florianópolis: EMais, 2020.

[32] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Aceleração do processo penal. In: MORAIS DA ROSA, Alexandre; AMARAL, Augusto Jobim do. Cultura da punição: a ostentação do horror. 3. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017, p. 161-162: “Há uma compulsão para se julgar mais rápido, e mais eficiente, para sobrar um resto de tempo para o lazer, para outras atividades. Há (o)pressões por julgamentos. A ideologia da estatística: dos números. Isto cobra um preço na vida dos sujeitos espremidos pelas diversas atividades de uma agenda lotada. Quem não é veloz é perdedor, improdutivo e, atualmente, ineficiente. Mas, para se realizar um processo democrático é preciso de tempo. Nem sempre se pode acelerar como se pretende, sob pena de se perder a própria possibilidade de compreensão. Em alguns casos, pois, é preciso desacelerar, em nome da Democracia.”

[33] CORDERO, Franco. Procedura penale. 9. ed. Milão: Giuffrè, 2012, p. 97: “È lavorìo occulto l’inquisizione; l’eventuale spettacolo arriva ad affare concluso: solenni messinscene patibolari o l’‘auto de fe’, dove qualcuno legge sentenze e i pentiti abiurano”.

[34] HAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2017, p. 72-73: “A falta de narratividade é o que distingue o processador e a procissão, que é um evento narrativo. Contratiamente ao processador, ela tem um firme direcionamento. Por isso, ela pode ser qualquer coisa, menos obscena. Tanto o processador quanto a procissão remontam ao verbo latino procedere, que significa ‘avançar’. A procissão está tensionada dentro de uma narrativa, concedendo-lhe uma tensão narrativa. As procissões apresentam cenicamente uma passagem especial de uma narração. Em virtude de sua narratividade elas têm em seu bojo um tempo próprio. Por isso não é possível e tampouco faz sentido acelerar seu procedere. A narração não é uma adição. Mas o procedere do processador está desprovido de qualquer narrativiade. Seu fazer não tem imagem, não tem cenas. Contrariamente à procissão, ele não narra; apenas conta. Os números são desnudos. Também o processo, que remonta igualmente ao verbo latino procedere, em virtude de sua funcionalidade, é extremamente pobre em narratividade. E nisso ele se distingue do discurso narrativo, que precisa de uma coreografia, de uma cenografia. O processo com uma determinação funcional, ao contrário, é apenas um objeto de governo ou de administraão. A sociedade se torna obscena quando ‘já não há mais cenas e tudo recebe uma transparência implacável’.”

[35] CORDERO, Franco. Procedura penale. 9. ed. Milão: Giuffrè, 2012, p. 101: “Gli inquisitori conducono affannose diabolomachìe. Nel rituale accusatorio il processo è pura operazione tecnica: un esito vale l’altro, purché correttamente ottenuto; abbiamo notato come le regole siano tutto; sarebbe abuso distorcerle a fini buoni. Questo modello ideologicamente neutro riconosce un solo valore: fair play.

[36] SPENCER, John Rason. Introduction. In: DELMAS-MARTY, Mireille; SPENCER, John Rason. (Ed.) European criminal procedures. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, p. 22-23: “In all the countries of the present study [Bélgica, Inglaterra e Gales, França, Alemanha e Itália] – as, indeed, throughout the civilised world – the theoretical position is that the accused is innocent until proven guilty, and when it comes to proving guit he is entitled to the benefit of the doubt. That said, it is probably true that in some ways the law of England and Wales makes it harder to convict people of offences than in many other places, most of continental Europe included. This is not because English law requires a higher standard of proof, but because it ties the prosecutor’s hands by not allowing him or her to use as evidence various matters – like the fact that the accused has a criminal record – which are generally admissible elsewhere. […] It is also true that, when a case finally reaches the court of trial in France or Belgium following an investigation by a juge d’instruction, the accused will usually face a case so strong that he has little chance of securing an acquittal – and that this sometimes creates an impression that his guilt is now presumed.

[37] Esse tema foi profundamente discutido na Itália, no ano 1961, em um seminário organizado por Francesco Carnelutti. A transcrição das apresentações e dos debates foi integralmente publicada no ano seguinte: LUCA, Giuseppe de. Primi problemi della riforma del processo penale. Veneza: Sansoni, 1962, p. 225-239.

[38] Obviamente defende-se exatamente o oposto disso. Está-se apenas demonstrando o quão perigoso é reduzir o processo a mero trâmite de repetição dos atos de investigação.

[39] Trata-se de ato administrativo cujo motivo deve ser declarado, assim como ocorre com todos os atos administrativos, sob pena de invalidade.

[40] EVARINI, Adrieli. Uso de câmeras individuais pela PM não cumpre projeto e vira alvo de discussão na Justiça. ND+, Joinville, 26 jun. 2020. Disponível em: https://ndmais.com.br/noticias/uso-de-cameras-individuais-pela-pm-nao-cumpre-projeto-e-vira-alvo-de-discussao-na-justica/. Acesso em: 29 jun. 2020.

[41] HALE, Kori. Amazon, Microsoft & IBM Slightly Social Distancing From The $8 Billion Facial Recognition Market. Forbes, Nova Iorque, 15 jun. 2020. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/korihale/2020/06/15/amazon-microsoft–ibm-slightly-social-distancing-from-the-8-billion-facial-recognition-market/#ec1ebd04a9ab. Acesso em: 29 jun. 2020.

[42] JEE, Charlote. London police’s face recognition system gets it wrong 81% of the time. MIT Technology Review, 04 jul. 2019. Disponível em: https://www.technologyreview.com/2019/07/04/134296/london-polices-face-recognition-system-gets-it-wrong-81-of-the-time/. Acesso em: 29 jun. 2020.

[43] LEE, Dave. San Francisco is first US city to ban facial recognition. BBC, 15 maio 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/news/technology-48276660. Acesso em: 29 jun. 2020.

[44] KOEBLER, Jason. Detroit Police Chief: facial recognition software misidentifies 96% of the time. Vice, Nova Iorque, 29 jun. 2020. Disponível em: https://www.vice.com/en_us/article/dyzykz/detroit-police-chief-facial-recognition-software-misidentifies-96-of-the-time. Acesso em: 29 jun. 2020.

[45] HILL, Kashmir. Wrongfully Accused by an Algorithm. New York Times, Nova Iorque, 24 jun. 2020. Disponível em: https://www.nytimes.com/2020/06/24/technology/facial-recognition-arrest.html. Acesso em: 29 jun. 2020.

[46] LOHR, Steve. Facial recognition is accurate, if you’re a white guy. New York Times, Nova Iorque, 09 fev. 2018. Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/02/09/technology/facial-recognition-race-artificial-intelligence.html. Acesso em: 29 jun. 2020; MCKAY, Carolyn. Predicting risk in criminal procedure: actuarial tools, algorithms, AI and judicial decision-making. Current Issues in Criminal Justice, v. 32, nº 1, p. 22-39, 2019, p. 30-31: “it seems that these actuarial or algorithmic instruments offer evidence-based and objective forms of risk assessment. However, a number of critical concerns have been expressed. Jones and Milton (2016: 1) note the advantages of statistical methods especially in dealing with large caseloads but importantly acknowledge that algorithms provide ‘very little information about the actual individual being assessed’ thus recognising the conflict with the principle of individualised justice. Other studies have found that the margins of error of these actuarial or mathematical methods are large and the application of group data to an individual cannot be meaningfully undertaken with precision (Hart et al. 2007). Several scholars identify the opacity of the algorithm as being particularly problematic, that is, the actual algorithm, its inputs or processes may be protected trade secrets so that individuals impacted by the algorithmic assessment cannot critique or understand the determination (Hogan-Doran 2017; Carlson 2017).”

[47] HARRISBURG University of Science and Technology. Facial recognition software paper not being published. Disponível em: https://harrisburgu.edu/hu-facial-recognition-software-identifies-potential-criminals/. Acesso em: 29 jun. 2020: “If you are looking for a news release outlining the paper “A Deep Neural Network Model to Predict Criminality Using Image Processing,”  it was removed from the website at the request of the faculty involved in the research. The editor of the publication where it was scheduled to appear has decided to not publish the work.