Artigo originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico.
Por Alexandre Morais da Rosa e Luiz Eduardo Cani
Redefinição das bases da persecução penal
O modelo clássico de processo penal foi paulatinamente transformado entre os fins da década de 1980 e o começo da década de 1990, devido, sobretudo, a cinco fatores[1].
Primeiro: o caso penal antimáfia em face de 475 imputados. Esse processo, contra a máfia de Palermo (Cosa Nostra), foi chamado de maxi processo devido às proporções monumentais, com um bunker construído especialmente para a realização da audiência (vide o documentário aqui). Ao processo de 1989 seguiu-se a edição da Lei Antimáfia de 1992, com a introdução de procedimento pré-investigatório: a inchieste preparatorie — reputada, por Renzo Orlandi, uma reedição da inquisitio generalis[2]. Esse procedimento reinaugura a tática de persecução penal consistente na busca ativa por notitia criminis, rompendo com a investigação, pois, como se sabe, a notitia criminis precede à investigação. Trata-se, então, de atividade de inteligência – algo que produz desequilíbrio na investigação defensiva e no tratamento de dados[3] — que, não se confunde com a investigação. A atividade de Inteligência era posterior, mediante a consolidação do resultado das investigações regulares. Desde então, a partir de práticas oportunistas, a denominada Inteligência Policial passou a ser o espaço desprovido de regras e de controles efetivos, em que os alvos são investigados sem qualquer fato objetivo, consoante se verifica nos relatórios do fisco, das incursões digitais e correlações de bancos de dados que, em geral, permanecem submersas durante os procedimentos de superfície, conforme veremos na razão quinta. A herança é a restrição das condições quanto ao exercício da ampla defesa, diz Diogo Malan.
Segundo: o aparecimento de Técnicas Especiais de Investigação[4] (Ties) e a expansão da criminalização dos atos preparatórios. Na Lei Antimáfia também foram introduzidas diversas técnicas de investigação, às quais atribuiu-se a natureza jurídica de “meios de investigação de fonte de prova”, bem como receberam tratamento legislativo distinto aos crimes comuns de “associação de pessoas” com a finalidade de praticar crimes. A associação, considerada ato preparatório impunível na doutrina penal clássica, passou a ser, por si só, criminalizada, ainda que ausente qualquer crime efetivo. Essas duas inovações produziram um efeito abraçadeira na persecução penal: por um lado, antecipando a consumação do crime, e, por outro, antecipando a sua persecução. Em consequência, ainda que sem elementos concretos relacionados a condutas penais, proliferaram investigações por suposições quanto à possível organização criminosa. Entre a possibilidade e a probabilidade está a causa provável, excluída pelo baypass legislativo que autoriza investigar meras ilações ou suspeitas.
Terceiro: a antecipação da investigação ganhou novos contornos também em países de common law com a fishing expedition, por meio da qual “pode-se invadir silenciosamente as bases de dados público-privadas e se ‘pescar’ conteúdos anteriormente submetidos à proteção dos Direitos Fundamentais”. “Os artefatos tecnológicos conferiram meios de penetração (invasão) silenciosa, à sorrelfa, no que se pode chamar de ‘deep investigation’, depois de encontrado/pescado o dado apto a sustentar acusações, promove-se a sua aparente descoberta.”[5] Embora a fishing expedition seja considerada inadmissível no Brasil (AgRg no RMS 62.562, RHC 83.447 e RHC 83.233 do STJ etc.), as provas podem ser “lavadas” [6] — não somente na colaboração premiada. Muitas vezes são trazidas como fruto de investigações policiais, informes obtidos em campo, dentre outras táticas de esquiva. Alexandre José Mendes e Alexandre Morais da Rosa denominam de “armas matemáticas de investigação em massa“.
Quarto: por meio da Lei 12.850/13 estabeleceu-se um conceito demasiado poroso de organização criminosa, o que permite a manipulação das premissas para a qualificação jurídica de quase todos os comportamentos como crime de associação e, como consequência jurídica imediata, possibilita o uso de Ties em inúmeros crimes em face dos quais esse meio de obtenção de fonte de prova não poderia ser utilizado. Dentre as Ties, duas merecem destaque pela amplitude das devassas, a infiltração de agentes via malware (o meio de efetivamente da medida mais restritivo aos direitos fundamentais e não previsto na legislação[7]), e, o acesso autorizado a aparelhos eletrônicos, mormente os designados pelo adjetivo “smart” (tampouco autorizado em lei[8]). Em suma, normas restritivas de direitos fundamentais resultantes tão somente de uma interpretação do texto legal contra o próprio texto (mutatis mutandis, depois da sociedade contra o Estado, de Pierre Clastres, temos um caso de intérpretes contra o texto).
Quinto: a diferença entre inteligência e investigação é descartada, na medida em que a atividade de inteligência é agenciada à investigação[9], possibilitando uma passagem dos elementos produzidos de maneira preparatória — ou preventiva — para a investigação. Como as atividades de inteligência não têm regramento, os elementos são juntados posteriormente aos procedimentos investigatórios (IP, PIC etc.) como se tivessem sido encontrados somente durante a investigação. O efeito imediato dessa alimentação da investigação por meio da inteligência é a transformação do procedimento bifásico (fase preliminar + fase judicial) em procedimento trifásico (fase preventiva + fase preliminar + fase judicial). A fishing expedition é ocultada ou “requentada” posteriormente, além do que o uso do malware permite transformá-la em phishing expedition, uma expedição de pescaria com hacking tools. Da lavagem de provas, passamos à lavagem de dados ilícitos (data laundering), há algum tempo conhecida pelos profissionais de segurança da informação. No caso da persecução penal, essa lavagem se dá com a conversão de dados em informações (converter dado em informação é o objetivo das atividades de inteligência) chamadas de “relatórios”. Luis Guilherme Vieira e Alexandre apresentaram textos demonstrando o ponto da questão (Veto a uso das Agências de Inteligência e Nulidade das Investigações). Eis o giro estrutural.
Nascimento do Processo Penal Combo
O surgimento do Processo Penal Combo ou Big Processo, de cariz inquisitório, é efeito de dois fatores distintos. Por um lado, com o aumento da capacidade de processamento de dados dos computadores e da redução dos custos, foi possível fazer funcionar a inteligência artificial e armazenar grandes volumes de dados (big data[10]). Por outro, o processo eletrônico permitiu a introdução de um volume cada vez maior de arquivos em um único processo. O big data abriu a possibilidade do processo eletrônico e o processo eletrônico transformou o big data. A simbiose é incessante, com o incremento do data lake disponível aos agentes do Estado, enquanto a defesa, em geral, pesquisa no Google, porque além de não dispor de meios de paridade de armas digital, sequer é informada, na maioria dos casos, da jornada de mineração de dados realizada durante a investigação e omitida quando do processo judicial.
O maxi processo italiano, pouco a pouco, deu lugar ao Processo Penal Combo ou Big processo. Já não se trata da quantidade de acusados ou mesmo da quantidade de imputações, senão do volume processual. Não por acaso, uma das táticas procedimentais mais utilizadas na persecução penal tem sido o flood: inúmeros arquivos irrelevantes e/ou repetidos que tumultuam e dificultam a atuação processual, teses imprecisas e confusas, denúncias fatiadas, delações com corroboração cruzada (processo de enunciação tautológico), “extrações” de dados[11], etc. Sintomático que várias peças sejam pouco objetivas ou, ainda que objetivas, bastante extensas. Longe de explicar, buscam confundir e, com táticas de despiste, dificultar o isolamento da conduta criminosa, abraçada pela aparente densidade de denúncias imensas, prolixas e frágeis.
Daí que o uso de big data na persecução penal, por si só, pode criar uma sensação de situação sem saída para os imputados. A seleção dos dados na produção das informações, com silenciamentos propositais da existência de elementos relevantes para a defesa, é estratégia conhecida. A falta de uma disclosure rule expressa é condição de possibilidade das manipulações (quem sabe seja necessário começar a deduzir uma regra implícita do artigo 5º, XXXIII, da CRFB c/c artigo 7º da Lei 12.527/11).
A transformação de um Processo Penal Combo em um big processo inquisitório ainda está em andamento e precisa de maior atenção. Por um lado, há anos caminhamos para um enxugamento da instrução processual em detrimento do aprofundamento das investigações, conforme Aury Lopes Jr. adverte há muito[12]. Por outro, uma investigação exauriente é incompatível com a presunção de inocência, uma vez que o caso está tão repleto de informações que resta pouco a fazer em prol dos imputados. Como observou John Spencer, a impressão em países como a França e a Bélgica, é de que a culpa é presumida[13]. Isso é sintoma, como Jacinto Coutinho adverte incessantemente, do procedimento misto[14].
O possível efeito da fusão entre um Processo Penal Combo ou Big processo e uma investigação exauriente é que, devido ao volume excessivo de dados e de informações, automatize-se demais as funções das partes, de modo que algum julgador pouco atento para essas transformações se contente com um papel de juiz que simplesmente assina com o certificado digital (anteriormente, poderíamos chamar de juiz carimbador). Ademais, a defesa muitas vezes sequer dispõe dos meios para leitura e verificação da conformidade, isto é, da cadeia de custódia da prova ofertada, como apontam Geraldo Prado, Janaína Matida, Marcella Mascarenhas Nardelli e Rachel Herdy.
A par das discussões quanto aos sistemas processuais, tão bem destacadas por Jacinto Coutinho, a questão é que as atividades antecedentes, de monitoramento constante, por meio de algoritmos de rastreamento (web crawling), extração (web scraping), análise e armazenamento em bancos de dados, especialmente de fontes abertas (Osint), aponta Rodrigo Oliveira Camargo, restringiu a função democrática do processo penal. A cortina digital torna irrelevante a discussão quanto à gestão da prova, justamente porque ela “já está” pronta para o consumo jurisdicional, sem que, em geral, exija-se a comprovação da cadeia de custódia do momento antecedente. Os acessos, em geral, deixam rastros, motivo pelo qual se poderia identificar eventual pescaria probatória e/ou manipulação da investigação. Por enquanto, diria Rui Cunha Martins, ainda é um “ponto cego”. A propriedade ou licença de uso de um algoritmo pelo Judiciário, por exemplo, é suficiente para afirmar que a gestão da prova não é dada ao juiz? Jacinto Coutinho nos responderia que não — negativa com a qual concordamos. Mas a multiplicação de algoritmos para o desempenho de funções distintas torna não somente a resposta mais difícil, mas também a pergunta. O risco é que as polícias, o Ministério Público, a advocacia e defensoria utilizem tantos argumentos que já não se saiba mais de onde vieram, nem quem geriu a prova… No Processo Penal Combo as etapas se fundem, sem distinção dos momentos, dos pressupostos, dos requisitos e das condições do Devido Processo Legal. Por isso afirmarmos no título que no Processo Penal Combo, o exercício da defesa é somente o brinde.
P.S. Parabéns Marcella Mascarenhas Nardelli, nossa colega de Limite Penal, pelo níver.
[1] A primeira versão do tema foi apresentada por Luiz Eduardo Cani, com o título “Investigação ilimitada: novas tecnologias e o big processo inquisitório”, no evento Ciências Criminais: Novos Desafios – Etapa Sul, organizado pelo IBCCRIM e pela ESA/SC e realizado em 19 de setembro de 2022 (disponível aqui). O texto é fruto dos nossos mais de 4 anos de diálogos sobre direito e tecnologia. Depois das conversas havidas nos últimos meses, decidimos ampliar algumas discussões e escrever este artigo. Começamos pela redefinição do contexto e do título porque não há somente uma “investigação” ilimitada, mas da “persecução penal” ilimitada, com restrições graves ao exercício da ampla defesa. Isso se deve à multiplicação produzida entre dois fatores distintos, cada qual com características próprias, tratados no artigo.
[2] ORLANDI, Renzo. Investigações preparatórias nos procedimentos de criminalidade organizada: uma reedição da inquisitio generalis?. Trad. Ricardo Jacobsen Gloeckner e Luiz Eduardo Cani. In: TERRA, Luiza Borges. (Org.). Lições contemporâneas do direito penal e do processo penal. Tirant lo Blanch Brasil: São Paulo, 2021, p. 375: “Inquisitio generalis era chamada a primeira fase da investigação destinada a apurar a existência do crime na sua palpável objetividade. Partindo-se do pressuposto de que a ação criminosa estava destinada a deixar um traço sensível no mundo externo, acreditava-se que a primeira tarefa do inquisidor consistisse em pesquisar a veritas criminais, ou, segundo expressão análoga, o corpus delicti ou o constare de delicto[ii]. Ninguém, por exemplo, podia ser acusado de homicídio, na ausência do cadáver do assassinado, nem de furto, se não estivessem visíveis os vestígios de um roubo ou de uma agressão física ao roubado. Também na presença de um suspeito, a inquisitio generalis era oficialmente dirigida contra desconhecidos[ii]. Clássico meio de prova que caracterizava essa fase do processo era a inspeção ocular do juiz. Este devia ser colocado em condição de perceber diretamente os vestígios sensíveis do delito e só excepcionalmente o corpus delicti poderia ser provado por testemunhos.”
[3] CAMARGO, Rodrigo Oliveira de. Tratamento de dados, persecução penal e a tutela do direito de defesa. 2022. Tese (Doutorado em Ciências Criminais) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2022 , p. 171: “O cerne de investigação defensiva se baseia na ideia de coleta e tratamento de dados pelo advogado, que evidentemente tem interesse na investigação, persecução e também na execução da pena, é sujeito imprescindível da administração da justiça, de forma que, se – conforme os projetos de LGPD Penal propostos a partir da Convenção de Budapeste –, Ministério Público e Polícias em geral poderão tratar dados de suspeitos, testemunhas e outros envolvidos no processo, a paridade de armas impõe que advogados, atuando no exercício do direito de defesa, tenham a mesma prerrogativa. Leis de proteção de dados devem ser cotejadas com os direitos e as garantias individuais previstos na Constituição Federal, os quais, na tutela do direito de defesa, asseguram direitos como o devido processo legal, o direito à prova e a paridade de armas, o que não pode ser-lhes negado diante de sua imprescindibilidade à administração da Justiça e a quem devem ser outorgadas as prerrogativas necessárias para que cumpram com seu papel constitucional.”
[4] ORLANDI, Renzo. O procedimento penal por fatos de criminalidade organizada: do maxi-processo ao «grande processo». Trad. Luiz Eduardo Cani. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, v. 7, n. 3, pp. 2105-2126, 2021, p. 2114-2115: “Os exemplos são numerosos e se relacionam a uma variada tipologia de instrumentos investigativos: as interceptações de conversas são admitidas com maior facilidade quando se trata de crimes de criminalidade organizada; as buscas podem ser excepcionalmente conduzidas em edifícios ou blocos de edifícios inteiros; às vezes as inspeções e buscas podem ser utilizadas até mesmo antes da notícia-crime, tornando-se, assim, instrumentos de investigação da notícia mesma; podem também ser lembradas as atividades de investigação secreta que consistem em seguir e observar informalmente à distância, possíveis nos casos que a lei admite que seja retardada a execução da medida cautelar (pessoal ou real) ; o uso de agentes provocadores e, sobretudo, o recurso maciço aos «colaboradores da justiça», tornado possível por uma legislação complexa de natureza marcadamente recompensadora.”
[5] GHIZONI DA SILVA, Viviani; MELO E SILVA, Philipe Benoni; MORAIS DA ROSA, Alexandre. Fishing expedition e encontro fortuito na busca e na apreensão: um dilema oculto do processo penal. Florianópolis: EMais, 2019, p. 82.
[6] LUCCHESI, Guilherme Brenner; VIDA, Lucas Gandolfi. Perspectivas quanto à lavagem de provas na colaboração premiada: proposta para controle de abuso processual. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, v. 7, n. 3, pp. 2203-2243, 2021, p. 2205: “Propõe-se definir lavagem de provas, portanto, como a dissimulação ou a ocultação da origem de uma informação inutilizável no processo como fonte de meios de prova, a fim de conferir aparência de legitimidade à sua origem.”
[7] Vide: MENDES, Carlos Hélder Carvalho Furtado. Tecnoinvestigação criminal. Entre proteção de dados e a infiltração por software. Salvador: JusPodivm, 2020.
[8] Vide: CANI, Luiz Eduardo; GIACOMOLLI, Nereu José. O acesso autorizado a aparelhos smart: burla ao agente infiltrado digital. Boletim do IBCCRIM, v. 352, pp. 4-6, 2022.
[9] NUNES, João Alcantara. Diagnóstico da inteligência de fontes abertas para fins de persecução penal no contexto da sociedade do controle. 2021. Monografia (Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2021, p. 16: “Manifestações desta amálgama nebulosa entre inteligência e investigação podem ser verificadas nos denominados métodos ocultos de investigação, cuja expansão está, da mesma forma, atrelada ao ‘avanço estrutural desencadeado pelo progresso tecnológico’ e o ‘triunfo da ideologia da guerra contra o terror’ (MENDES, 2020, p. 96).”
[10] ZUBOFF, Shoshana. Big other: capitalismo de vigilância e perspectivas para uma civilização de informação. In: BRUNO, Fernanda; CARDOSO, Bruno; KANASHIRO, Marta; GUILHON, Luciana; MELGAÇO, Lucas. (Org.). Tecnopolíticas da vigilância: perspectivas da margem. São Paulo: Boitempo, 2018, p. 17-18: “O big data é projetado como a consequência inevitável de um rolo compressor tecnológico que possui uma vida própria totalmente exterior ao social. Nós somos apenas espectadores. […] o big data não é uma tecnologia ou um efeito tecnológico inevitável. Tampouco é um processo autônomo […] tem origem no social, e é ali que devemos encontrá-lo e estudá-lo. […] é, acima de tudo, o componente fundamental de uma nova lógica de acumulação, profundamente intencional e com importantes consequências, que chamo de capitalismo de vigilância.”
[11] Expressão incorreta, conforme se demonstrou: CANI, Luiz Eduardo; NUNES, João Alcantara. Limites do contraditório na análise de provas digitais. Boletim Trincheira Democrática, ano 5, n. 24, pp. 16-18, 2022, p. 16-17.
[12] LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 166: “Uma das principais críticas que se faz ao IP é a repetição na produção da prova. O inquérito policial é normativamente sumário, inclusive com limitação quantitativa ou temporal, mas o que sucede na prática é que ele se transforma de fato em plenário. Essa conversão – de normativamente sumário em efetivamente plenário – é uma gravíssima degeneração. A polícia demora excessivamente a investigar, investiga mal e, por atuar mal, acaba por alongar excessivamente a investigação. O resultado final é um inquérito inchado, com atos que somente deveriam ser produzidos em juízo, e que por isso desborda os limites que o justificam.”
[13] SPENCER, John Rason. Introduction. In: DELMAS-MARTY, Mireille; SPENCER, John Rason. (Ed.) Euro-pean criminal procedures. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, p. 22-23: “It is also true that, when a case finally reaches the court of trial in France or Belgium following an investigation by a juge d’instruction, the accused will usually face a case so strong that he has little chance of securing an acquittal – and that this sometimes creates an impression that his guilt is now presumed.”
[14] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. (Org.). O novo processo penal à luz da Constituição: análise crítica do Projeto de Lei n. 156/2009, do Senado Federal. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, v. 1, p. 10: “No fundo, toda a prova produzida na primeira fase da persecução, de regra por um juiz instrutor, na investigação preliminar puramente inquisitorial, era usada na fase processual, por exemplo, por sua leitura no chamado Jugement. A sessão virava, como era sintomático, teatro, não raro pantomima; puro embuste; e os discursos, pomposos e longos, inflação fonética. As cartas do jogo já estavam marcadas e para desdizer isso era preciso desacreditar na figura democrática do juiz instrutor, tão inquisidor quanto qualquer outro que, na história, ocupou aquele lugar.”