Inexigibilidade do pagamento do tributo devido como condição objetiva do ANPP nos crimes tributários

Artigo do sócio Luiz Eduardo Cani, publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais.

Resumo: Neste artigo, analisa-se a situação sui generis do acordo de não persecução penal nos crimes tributários decorrente da condição geral de reparação integral do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, concomitantemente à existência de previsão legal de extinção da punibilidade em caso de pagamento integral do tributo devido. Para dar cabo dessa tarefa, inicia-se situando a introdução do acordo de não persecução penal no ordenamento jurídico brasileiro, passa-se à análise do acordo de não persecução penal, chega-se à discussão acerca dos efeitos do pagamento e do parcelamento tributários para, ao final, tensionar a condição geral objetiva e a causa extintiva da punibilidade. O objetivo geral é iluminar a situação quase antinômica e propor uma solução que não extrapole o papel da doutrina nem demande alterações legislativas. Utiliza-se o método de abordagem indutivo, com consulta a fontes bibliográficas e documentais. Este trabalho justifica-se pela tutela das liberdades fundamentais diante da má técnica legislativa que culminou nessa situação complexa, bem como pela possibilidade de apontar uma solução constitucionalmente fundada.

Palavras-chave: Persecução penal – Crime tributário – Pagamento do tributo – Parcelamento do tributo – Acordo de não persecução penal.

Abstract: This article analyzes the sui generis situation of the non-prosecution agreement in tax crimes, derived from the general requirement of full reparation of the damage unless it is impossible to do so, concomitantly to the existence of a legal provision for extinction of punishment in the event of full payment of the tax due. In order to complete this task, firstly the introduction of the non-prosecution agreement in Brazilian Legal system is contextualized. Then, the analysis of the non-prosecution agreement starts, heading toward the discussion about the effects of tax payments and installments, so that, at the end, the general objective condition and the extinction of criminal liability are strained. The general objective is to illuminate this almost antinomical situation and to propose a solution that does extrapolate the role of doctrine, or demand legislative changes. The inductive approach method is used, with reference to bibliographic and documentary sources. This work is justified by the guardianship of fundamental freedoms before the bad legislative technique that culminated in this complex situation, as well as by the possibility of pointing out a constitutionally founded solution.

Keywords: Criminal prosecution – Tax crime – Tax payment – Tax installment – Non-prosecution agreement.

1. Introdução

A introdução do acordo de não persecução penal no ordenamento jurídico tem sido conturbada desde o início, começando pela propositura em sede de Resolução do Conselho Nacional do Ministério Público, posteriormente alterada, passando pelo projeto de lei “anticrime” até culminar na efetiva aprovação da lei “anticrime”. Entre as diversas polêmicas ocasionadas, a efetiva implementação do instituto, via devido processo legislativo, não foi suficientemente debatida na comunidade jurídica nacional. Uma miríade de controvérsias, dúvidas, antinomias e situações peculiares tem produzido dificuldades de todas as ordens na aplicação do acordo.

No tocante ao Direito Penal Econômico, uma das principais situações decorre da introdução de uma condição objetiva geral coincidente com uma causa extintiva da punibilidade nos crimes tributários: a reparação integral do dano. Tal coincidência que, num primeiro momento, pode parecer antinômica, denota a má técnica legislativa empregada[1], por um lado, por se tratar de mais uma reforma parcial no arremedo de Código de Processo Penal que ainda se tem no Brasil e, por outro, por ignorar a pré-existência de causas especiais de extinção da punibilidade que podem coincidir com a condição geral.

Nesse sentido, questiona-se: de que modo é possível integrar os institutos do acordo de não persecução penal e a extinção da punibilidade pelo pagamento nos crimes tributários? O objetivo geral é iluminar a situação quase antinômica e propor uma solução que não extrapole o papel da doutrina nem demande alterações legislativas. Os objetivos específicos são: (a) situar a introdução do acordo de não persecução penal no ordenamento jurídico brasileiro de modo a demonstrar a entropia inquisitória; (b) analisar a estrutura do acordo de não persecução penal; (c) discutir os efeitos, para os crimes tributários, do pagamento e do parcelamento do tributo; e (d) tensionar o acordo de não persecução penal em face da condição geral objetiva (reparação do dano) e da causa extintiva da punibilidade nos crimes tributários (pagamento do tributo).

Este trabalho justifica-se pela tutela das liberdades fundamentais diante da má técnica legislativa que culminou nessa situação complexa, isto é, pelo reforço dos direitos dos arguidos a celebrar acordos de não persecução penal por crimes tributários sem que seja necessária a “reparação do dano” (rectius: o pagamento integral do débito tributário) não apenas diante da impossibilidade de fazê-lo como também quando seja possível, bem como pela possibilidade de apontar uma solução constitucionalmente fundada para esse impasse.

O método de abordagem empregado foi o indutivo, na medida em que se partiu da análise das especificidades do tema para inferir uma conclusão. Portanto, do específico para o geral. O método de procedimento foi o monográfico. A técnica de pesquisa foi a bibliográfica, com consulta a fontes secundárias, de ordem bibliográfica (livros e artigos), bem como documentais (constituições e leis).

2. A americanização à brasileira do processo penal: em busca de uma justiça negocial inquisitória

O direito europeu continental serviu de inspiração aos juristas brasileiros por séculos. Notadamente em matéria processual penal, buscou-se inspiração entre os italianos e os portugueses. Aproximadamente na década de 1990, iniciou-se uma mudança nessa influência, passando-se a olhar para os países de common law, sobretudo para os Estados Unidos da América, talvez em razão do intercâmbio de juristas brasileiros para aquelas terras. Nesse sentido, novas concepções e novos institutos ganharam força no Brasil.

Entre outras iniciativas, tem-se a importação de saídas alternativas ao processo penal, introduzidas primeiramente na Lei 9.099/95, como o instituto da transação penal que possui alguns traços semelhantes ao instituto estadunidense chamado de plea bargain, além da composição civil do dano e da suspensão condicional do processo. Trata-se de mecanismos de justiça negocial[2] que pavimentaram o caminho do fenômeno chamado por Jacinto Nelson de Miranda Coutinho de “americanização à brasileira”, o qual consiste na importação de institutos “sem o devido controle por quem de direito, seja lá por qual motivo for”[3].

É lugar comum, hoje, que o processo penal brasileiro precisa de reformas. Mas é preciso ter em mente que o ideal de reforma pode empurrar no sentido de um reformismo. Isso se dá diante da ausência de conteúdo claro das reformas, ocasião em que por trás do ato de reformar está a mera procedimentalidade/formalidade da reforma a pretexto da modernização. Eis um argumento tradicional justificador de reformas vazias: precisa-se reformar porque a lei é muito antiga. Há aí mera leitura desde uma temporalidade linear, descolada de outros elementos, principalmente culturais. Um argumento que, por exemplo, serve para justificar que se ponha fim aos mais relevantes institutos, como a coisa julgada[4].

Dito isso, as reformas processuais pressupõem conteúdos para que se saiba o que reformar. Tais conteúdos delimitam as posições que se pode ter acerca das reformas, as quais, grosso modo, podem-se resumir conforme uma teleologia, isto é, em torno dos objetivos pretendidos: mudança no sistema ou mudança do sistema. Os adeptos de mudanças no sistema propõem, com frequência: alterações nos/dos ritos processuais e/ou introdução/substituição/supressão de institutos. Os adeptos de mudanças do sistema vêm, há muito, buscando a construção de um processo penal constitucionalmente demarcado, o qual chamam de refundação do processo penal[5].

Um marco na discussão acerca das reformas processuais penais é o seminário para a reforma do Código de Processo Penal italiano de 1930, organizado por Francesco Carnelutti em Veneza, nos dias 15 a 17 de setembro de 1961, na sede da Fondazione San Giorgio Maggiore. O ponto central do seminário foi justo o que precisava ser reformado, pois a necessidade de reforma era advogada por todos os participantes. Em suma: reforma global, parcial, setorial ou pontual? Prevaleceu a opinião acerca da necessidade de reformar o sistema, de modo que a Itália substituísse o sistema inquisitório do Código de Processo Penal fascista pelo sistema acusatório de inspiração inglesa[6].

Mas, ao contrário da Itália, no Brasil a reforma do sistema não é majoritariamente considerada necessária. Vê-se um conjunto de reformas pontuais, reformas no sistema, que operam conforme a lógica da personagem Tancredi, de Giuseppe Tomasi de Lampedusa, no romance Il gattopardo: “— Se nós não estivermos lá, eles fazem uma república. Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude. Expliquei-me bem?”[7]. Daí as duas finalidades das reformas pontuais, apontadas por Jacinto Coutinho: (a) mudar tudo para conservar as coisas como sempre foram; e (b) conduzir as reformas por meio do discurso fácil da celeridade em detrimento dos direitos e garantias fundamentais[8].

Dito de outro modo, apesar da necessidade de uma reforma global[9], ao estilo do que ocorreu em quase toda a América Latina, com exceção do Brasil e de Cuba[10] – e que representam, de modo geral, uma passagem dos ordenamentos jurídicos em direção à democracia[11] –, a substituição do sistema inquisitório pelo sistema acusatório ainda demanda esforço político, altos investimentos econômicos, organização dos juristas e aceitação social, sobretudo porque tem-se visto, desde a década de 1990, uma predominância das reformas pontuais encabeçadas pela Escola Processual de São Paulo[12]. Isso para não falar na insuficiência da reforma, a demandar ainda uma mudança cultural[13] que impeça uma tomada de assalto do processo penal pelas ideias autoritárias[14] e consequente neutralização por não aplicação das normas.

Não raro, o que ocorre no Brasil é precisamente o desuso de disposições legais ou até de diplomas legislativos inteiros. A mentalidade continua a ser a mesma. Daí decorre o grande problema das reformas processuais penais que se tem visto nas últimas décadas. Por um lado, pretende-se criar algo a partir das categorias velhas, por outro, pensa-se a partir das categorias velhas até mesmo o que, de fato, é novo. A mais recente reforma foi operada por meio da lei “anticrime” a qual possui vários institutos transplantados de (ou mesmo inspirados em) outra tradição jurídica[15], como ocorreu com o acordo de não persecução penal.

Inúmeras críticas podem ser formuladas ao conturbado processo legislativo que culminou na aprovação dessa lei, iniciando pela tentativa de contornar o diálogo acadêmico, passando pela contradictio in adjectu do nome da lei (sendo o crime um fenômeno jurídico, uma lei anticrime só pode ser aquela que extingue tipos penais – abolitio criminis –, não uma que expande o direito penal, como foi o caso), para chegar à introdução de um instituto típico do sistema acusatório, inspirado no plea bargain, em um processo penal eminentemente inquisitório e pensado a partir das categorias inquisitórias (americanização à brasileira), mantendo a necessidade de, passados mais de 30 anos, continuar tentando adequar o processo penal à Constituição[16].

Impende observar que não se desconsidera aqui a criação do instituto do juiz das garantias nem a introdução de referência expressa à adoção do sistema acusatório no país[17], contudo, tanto as disposições legais acerca do juiz das garantias, inclusive a nova redação do art. 3º-A com a opção pelo sistema acusatório, são frutos da mesma lei “anticrime”, quanto estão com a eficácia integralmente suspensa por conta da concessão de medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade 6.300[18].

Quer dizer, ainda que o acordo de não persecução penal seja instituto típico do sistema acusatório e que o Congresso Nacional, por meio de lei “anticrime”, tenha pretendido uma virada do sistema inquisitório para o sistema acusatório, não se tem mais que um arremedo produzido por uma reforma prenhe de contradições, inconsistências e vaguezas cuja constitucionalidade é objeto de impugnação pelas associações de magistrados[19]. Não por acaso, tornou-se comum afirmar que os códigos, após várias reformas pontuais, setoriais e parciais, tornam-se colchas de retalhos. Não há homogeneidade nem sistematicidade, muito menos consensos mínimos indispensáveis à aplicabilidade e a efetividade.

Tanto porque diversos dispositivos legais ainda conservam os traços inquisitórios (v.g., a possibilidade de condenação mesmo em face do pedido de absolvição do Ministério Público[20] e a problemática iniciativa probatória do juiz[21]) quanto porque remanescem muitas divergências acerca do que se entende por sistema processual[22], o acordo de não persecução penal encontra-se deslocado do contexto para o qual foi pensado, isto é, o projeto do Código de Processo Penal em tramitação, o PL 8.045/2010[23], com a redação original do anteprojeto, por meio do qual se pretendeu uma adesão integral ao sistema acusatório e uma compatibilização integral à Constituição.

No mesmo sentido, a justiça negociada também representa um espaço processual cuja atividade é exercida sob o risco constante de influência da mentalidade inquisitiva. A ampliação dos espaços de resolução de conflitos no processo penal atende a uma lógica utilitarista[24], e não propriamente ao benefício a ser assegurado ao acusado.

Outrossim, a efetividade das medidas de justiça negocial é corolário da aderência ao sistema acusatório, aqui entendido, a partir da arquitetônica kantiana[25], como “conjunto de temas, colocados em relação, por um princípio unificador [dispositivo ou inquisitivo], que formam um todo pretensamente orgânico, destinado a uma determinada finalidade”[26], de modo a seguir a concepção sistêmica predominante entre os juristas[27].

Isso porque, distante da estrutura processual para a qual o acordo de não persecução penal foi projetado, tem-se um desvirtuamento das finalidades: de um instituto de desencarceramento e de mitigação da resposta penal privativa de liberdade a partir de um acordo entre as partes para um instrumento à disposição do juiz para a consecução da privação de liberdade com supressão de direitos e de garantias fundamentais[28]. É, portanto, “um processo de deturpação dos conteúdos ‘diversos’ […]. Trata-se da manipulação do discurso e alteração dos signos e funcionamento do instituto como forma de perpetuar os propósitos inquisitivos”[29].

Além do desvio de finalidade e da confusão entre as funções de acusar e julgar, inerentes ao sistema inquisitório, há todos os problemas decorrentes da introdução do instituto em um sistema de civil law, descolado do correlato sistema de precedentes[30]. Nada obstante o encarceramento em massa no berço da criação do instituto e a quantidade de erros judiciários decorrentes dos guilty pleas em casos de não crimes[31], o fato é que as saídas alternativas também implicam uma resposta penal de menor intensidade e de menor duração, em outros termos, há uma teleologia: punir sem encarcerar[32].

Não se ignora, no entanto, a dificuldade inerente à efetivação de uma reforma completa do processo penal brasileiro. Gloeckner recorda, nessa linha, que “[…] foi mais fácil ao Brasil alterar suas constituições do que efetivamente aprovar um código de processo penal novo”[33]. A mentalidade inquisitória é fruto de séculos (mais precisamente, de mais de 500 anos[34]) de uma cultura judiciária avessa a mudanças[35]. Noutro sentido, a América Latina apresenta tendência rumo ao processo penal adversarial efetivo, o que seria possível a partir de uma reforma completa, já que as reformas parciais, como mostra a experiência brasileira, são “[…] rapidamente absorvidas e distorcidas pela lógica tradicional, porque não alteram a estrutura de incentivos que atravessam os atores do sistema”[36]. O mesmo tende a acontecer com o acordo de não persecução penal.

Se o instituto é alheio ao sistema e, pelo menos aparentemente, não há pretensão de efetivar a mudança sistêmica completa, trata-se, no acordo de não persecução penal, de mera medida de aceleração e de economia processual ou, como o nome do projeto de lei enunciava: um dos já conhecidos pacotes, tão comuns nas reformas processuais penais latino-americanas que caracterizam um giro entrópico rumo a um modelo negocial de feitio inquisitório[37].

Medidas de economia processual visam acelerar o processo, algumas vezes a fim de tentar equilibrar o tempo de duração do processo e a efetividade da tutela de direitos e garantias fundamentais, outras vezes meramente sob o manto do combate à impunidade. De certo modo, a celeridade processual interessa a todos, razão pela qual concentra divergências no como, mas não no se deve existir. O equilíbrio entre tutela dos direitos e aceleração processual é complexo[38], por isso, deve ser buscado com parcimônia – não necessariamente com medidas de economia processual que impliquem a supressão de atos processuais[39].

Não se pode desconsiderar que as medidas de economia processual costumam ser introduzidas em detrimento dos direitos e das garantias fundamentais. Isso porque, diante do aumento do fluxo de trabalho, a manutenção da tutela dos direitos e das garantias fundamentais produz um incremento na duração da tramitação processual. Assim foi que, por um lado, a inquisição canônica introduziu a tortura para flexibilizar a exigência de duas testemunhas oculares para a condenação[40] e, por outro lado, o plea bargain foi introduzido no processo penal estadunidense para reduzir o contingente de julgamentos pendentes pelo tribunal do júri, o qual recebeu competência constitucional para os julgamentos criminais em 1791[41]. Como se pode ver, institutos cuja principal diferença é o grau de coerção[42] imposto nasceram em sistemas processuais antagônicos.

 

3. Acordo de não persecução penal: estrutura normativa

O acordo de não persecução penal é problemático desde a propositura. Encontram-se vícios de formalidade, de conteúdo e até no nome. Quase tudo indica que o instituto não poderia ter sido introduzido no País, não daquele modo, não daquele jeito, não com aquela redação, não por aqueles motivos. Contrariando as cautelas mínimas, desconsiderando o diálogo interinstitucional e a necessidade de estudos mais aprofundados, seguiu-se rumo ao transplante legal, rumo à americanização à brasileira que resultou em mais uma medida de justiça negocial inquisitória.

Ao designar uma “não persecução penal”, o instituto provoca confusão, decorrente de péssima técnica jurídico-legislativa, a qual despreza o fato de ser a investigação preliminar a primeira etapa da persecução penal, ou seja, o acordo ocorre em sede de persecução penal, de modo que não se presta a não deflagração, mas ao estabelecimento de uma modalidade alternativa ou diferida[43]. Na prática, “[…] o cidadão, sem processo e, portanto, sem prova, é condenado e terá estabelecida, por acordo de não ser processado (eis o paradoxo!), uma pena, vale dizer, uma condenação”[44]. A introdução no ordenamento jurídico brasileiro foi bastante conturbada. Iniciou-se com a polêmica Resolução 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (órgão de controle financeiro e administrativo da instituição, com assento no art. 130-A da Constituição[45], sem atribuição para legislar sobre matéria processual penal), por meio da qual o instituto foi criado, no art. 18, dispensando a homologação judicial dos acordos[46]. Em seguida, essa Resolução foi alterada por meio da Resolução 183/2018 para, no art. 18, § 4º, submeter o acordo à apreciação judicial[47]. Tais resoluções, contudo, estavam eivadas de inconstitucionalidade[48] formal, por usurpar competência legislativa privativa da União[49], e, para alguns, também material, por subtrair do Judiciário a apreciação da legalidade e dos limites do acordo[50].

Diante das inúmeras críticas, o instituto foi inserido no projeto de lei “anticrime”, fruto de um pacote de medidas supostamente destinadas ao combate à corrupção, ao crime organizado e à criminalidade violenta, de forma “afobada e populista”[51]. Desse modo, sendo aprovado o pacote, apostou-se na possibilidade de solucionar tanto a inconstitucionalidade formal quanto a inconstitucionalidade material, mas outras críticas surgiram, entre as quais a incompatibilidade sistêmica[52], a ausência de diálogo com a academia[53] e a ampliação inconstitucional da transação penal para além dos crimes de menor potencial ofensivo[54].

O pacote anticrime previa também a possibilidade de um acordo penal posterior à acusação (denúncia ou queixa-crime) e anterior à instrução processual, para qualquer crime, em troca da redução da pena até a metade, da alteração do regime de cumprimento de penas ou da substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito, cuja homologação teria eficácia de sentença penal condenatória[55]. Entretanto, essa modalidade de acordo prevista na redação original foi alterada durante o processo legislativo.

Do processo legislativo resultou a Lei 13.963/2019, chamada lei “anticrime”. O acordo de não persecução penal foi inserido no art. 28-A do Código de Processo Penal, especificamente no título III (Da ação penal) do livro I (Do processo em geral)[56]. A topografia do dispositivo agrava o equívoco da nomenclatura. Não apenas não se trata de não persecução, como também o acordo ocorre antes do desencadeamento da ação penal, de modo a impedi-lo.

Com a redação atual, o acordo de não persecução penal tem forma escrita, devendo ser celebrado entre o Ministério Público (sujeito ativo) e o investigado (sujeito passivo) sempre representado por defensor (art. 28-A, § 3º). Os requisitos do acordo são os crimes sem violência e sem ameaça com pena mínima inferior a quatro anos (de modo a abranger também o concurso de crimes ocorridos no mesmo ato, desde que não exceda o quantum de pena[57]), bem como a confissão formal e circunstancial[58] (art. 28-A, caput). As condições do acordo[59] estão previstas nos incisos do caput do art. 28-A: I – reparação do dano ou restituição do objeto do crime, exceto quando impossível fazê-lo; II – renúncia voluntária a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produtos ou proveitos do crime; III – prestação de serviço à comunidade ou a entidade pública pelo período correspondente a 1/3 a 2/3 da pena mínima da infração; IV – pagamento de prestação pecuniária a entidade pública ou de interesse sociais que proteja bens jurídicos iguais ou semelhantes aos lesados pelo delito; V – cumprimento de outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

Além do objeto e das condições, há proibições expressas de aplicação do acordo contidas nos incisos do art. 28-A, § 2º: I – se for cabível transação penal; II –se o investigado for reincidente[60] ou houver elementos probatórios de conduta criminal habitual, reiterado ou profissional não insignificantes; III – se o agente foi beneficiado com acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo até cinco anos antes do cometimento do novo crime; IV – em crimes praticados em contexto de violência doméstica ou familiar ou praticados contra a mulher por discriminação de gênero.

Após formulado o acordo, os autos do procedimento investigatório (inquérito policial, procedimento investigatório criminal ou outro) serão remetidos ao juiz para apreciação. Preenchidos todos os requisitos, o acordo será homologado em audiência designada especificamente para tanto, na qual o investigado, na presença de defensor, é ouvido acerca da voluntariedade e da legalidade do acordo (art. 28-A, § 4º). A vítima será comunicada da homologação do acordo, bem como de eventual descumprimento (art. 28-A, § 9º).

Contudo, o juiz pode recusar a homologação do acordo em duas hipóteses (art. 28-A, § 7º).

A primeira, se considerar inadequadas, insuficientes[61] ou abusivas as condições pactuadas, hipótese na qual os autos são devolvidos ao Ministério Público para reformular o acordo, sendo indispensável manifestação de vontade do investigado acerca das novas condições (art. 28-A, § 5º). Tal juízo de inadequação, insuficiência ou abusividade, contudo, deverá orientar-se pelos parâmetros estabelecidos nas condições (art. 28-A, caput, I a V) e nas proibições (art. 28-A, § 2º, I a IV). Noutras palavras, a inadequação trata dos aspectos formais do acordo, a insuficiência e a abusividade tratam dos aspectos materiais. O juízo de inadequação se dá na apreciação do preenchimento das condições e da não incidência em proibição. O juízo de insuficiência trata da suficiência do acordo para a reprovação e a prevenção do crime, prevista no caput, por meio do qual parece ser possível apenas valorar eventual condição diversa (art. 28-A, V) proposta pelo Ministério Público, pois a suficiência das demais é presumida, na medida em que estão contidas em lei[62]. O juízo de abusividade, por fim, apenas pode servir de fundamento para a recusa quando for prejudicial ao investigado, pois tal juízo é inerente às funções do juiz das garantias[63].

A segunda, se houver descumprimento das condições legais (art. 28-A, § 7º), razão pela qual devolverá os autos ao Ministério Público para a tomada da decisão administrativa acerca da necessidade de realizar diligências investigatórias complementares ou do oferecimento da denúncia (art. 28-A, § 8º).

Em caso de recusa do acordo, o juiz deve se declarar impedido por ter atuado como juiz em outra instância, tendo em vista que a introdução do juiz das garantias pressupõe a separação entre juiz da investigação e juiz do processo como instâncias distintas[64], ou, pelo menos, suspeito por quebra da imparcialidade, na medida em que o juízo de admissibilidade da acusação estará contaminado[65].

Sendo cabível o acordo, mas não havendo propositura pelo Ministério Público, o investigado pode requerer a remessa dos autos da investigação ao órgão superior para a apreciação (art. 28-A, § 14). Nesse caso, segue-se o procedimento do art. 28 do Código de Processo Penal[66].

Homologado o acordo, apenas duas hipóteses são possíveis: cumprimento ou descumprimento. Cumprido integralmente o acordo, o juiz deve decretar (parece tratar-se de decisão declaratória, não de decisão constitutiva) a extinção da punibilidade do investigado (art. 28-A, 13º) e, nesse caso, a celebração e o cumprimento constarão em certidão de antecedentes criminais apenas para obstar novo acordo penal pelo próximo quinquênio (art. 28-A, § 12 c/c § 2º, III). Havendo descumprimento de qualquer condição, cabe ao Ministério Público comunicar ao juízo para rescindir o acordo e oferecer denúncia (art. 28-A, § 10), situação que pode justificar eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo pelo Ministério Público (art. 28-A, § 11).

Uma particularidade, no mínimo curiosa, decorre da aparente contradição entre o oferecimento da denúncia em face do descumprimento de alguma das condições (art. 28-A, § 10) e a remessa dos autos ao Ministério Público para promover a execução perante o juiz de execução penal (art. 28-A, § 6º). A primeira disposição leva a crer que o acordo não trata de negociação sobre penas e, por isso, não é equivalente ao plea bargain[67]. A segunda, por outro lado, deixa várias dúvidas. Essa execução perante o juiz de execução se dá por falta de outro juízo? Trata-se de execução provisória? Se não é de pena que se trata, por que a celebração se dá perante o juízo criminal e a execução perante o juízo de execução penal? É possível assumir como executória a decisão (ou seria sentença?) homologatória do acordo? Parece que a redação do § 6º é um resquício da proposta que visava instituir um efetivo acordo sobre a pena, a qual, durante o processo legislativo, não recebeu a necessária readequação ao modelo legislativo[68].

 

4. Efeitos do pagamento e do parcelamento do tributo nos crimes tributários

O direito penal econômico encontra-se em expansão por conta das transformações nas dinâmicas sociais, econômicas e políticas do último século, mormente em razão da chamada sociedade de risco, em razão dos quais se passou a criminalizar comportamentos para além dos chamados crimes tradicionais. O que não quer dizer que ainda se trate apenas dos crimes chamados do colarinho branco (white collar crimes), conforme classificação sociológica[69] proposta há mais de 80 anos[70], tendo em vista que muitos desses crimes foram integrados e somados a outros. Está-se a tratar mais precisamente do que vem sendo chamado de direito penal econômico[71].

Um setor sui generis, ou, no mínimo, muito peculiar dos crimes econômicos é o dos crimes tributários, porquanto o uso do direito penal se dá muitas vezes, senão em quase todas, com fins arrecadatórios. A ameaça penal é inserida no intuito de forçar o adimplemento de obrigações tributárias[72]. Apenas subsidiariamente é que se espera a aplicação de uma pena. Por conta disso, tem-se, num primeiro nível, controvérsias acerca do bem jurídico a ser utilizado como critério de criminalização[73] nos crimes tributários, pois cada resposta decorre de uma concepção político-criminal[74], resultando em variações nas concepções acerca da ofensividade: (in)significância da lesão ao bem jurídico, relevância e merecimento da tutela penal e modalidades de tipos legais[75] (lesão ou perigo, simples ou composto, congruente ou incongruente, instantâneo ou permanente, geral ou próprio, omissivo ou comissivo, doloso ou culposo etc.) utilizados para a criminalização.

Segue-se aqui o entendimento de que o bem jurídico-penal dos crimes tributários previstos na Lei 8.137/90[76] é a arrecadação tributária[77]. Um entendimento cuja solidez consiste na precisa delimitação do momento de vulnerabilidade do bem jurídico (relevância e merecimento da tutela penal), para fins penais: somente após o nascimento da obrigação tributária principal[78] e antes da extinção[79], ou, excepcionalmente, quando do descumprimento da obrigação tributária acessória[80] haver risco para a arrecadação tributária[81]. Desse modo, tem-se uma tutela penal não incidente exclusivamente sobre os deveres jurídicos de comunicação ao fisco para fins de lançamento[82], os quais são pressupostos para a constituição do crédito tributário[83], mas sobre o efetivo pagamento do tributo devido. Evitam-se, assim, confusões entre a ratio da norma incriminadora e o bem jurídico-penal[84], bem como a criminalização de comportamentos de menor ofensividade para o bem jurídico (desnecessidade da tutela penal[85]).

A partir desses pressupostos, pode-se entender que a obrigação tributária principal (pagamento do tributo) integra o núcleo do bem jurídico-penal tributário (arrecadação tributária)[86]. Já as obrigações acessórias não podem integrar o núcleo do bem jurídico-penal tributário, tendo em consideração que o descumprimento de obrigações acessórias pode ameaçar, mas jamais pode produzir lesão efetiva à arrecadação[87].

Se o bem jurídico é a arrecadação tributária, a qual se vincula diretamente ao pagamento do tributo, a consequência imediata é outra relação de interdependência: a punibilidade do agente nos crimes tributários é corolário da exigibilidade do tributo. O tributo só é exigível após a constituição e antes da extinção do crédito tributário.

Trata-se do seguinte iter: previsão legal da hipótese de incidência, ocorrência do fato gerador, configuração da relação tributária, nascimento da obrigação tributária, lançamento, constituição do crédito tributário e extinção do crédito tributário. Tal é a relevância dessa cadeia causal que se pode, em analogia aos axiomas que fundam a epistemologia garantista[88], dizer: (a) não há fato gerador sem hipótese de incidência; (b) não há relação tributária sem fato gerador; (c) não há obrigação tributária sem relação tributária; (d) não há lançamento sem obrigação tributária; (e) não há crédito tributário sem lançamento; e (f) não há exigibilidade do tributo sem crédito tributário.

Ademais, não se pode desconsiderar que, após a constituição do crédito tributário, a modificação, a extinção ou a exigibilidade só podem ser alteradas nas estritas hipóteses legais[89]. Interessam, neste artigo, especificamente as hipóteses legais de extinção do crédito tributário pelo pagamento[90] e de suspensão da exigibilidade do crédito tributário pelo parcelamento[91], tendo em vista a influência direta e imediata na punibilidade do agente por crime tributário. No primeiro caso, a hipótese legal incide propriamente na existência do crédito, enquanto, no segundo, incide sobre o efeito do crédito.

Daí que, em relação aos crimes tributários materiais, podem-se ter duas situações distintas para fins político-criminais. Se o pagamento extingue o crédito, não subsiste tributo devido a ser exigido, de modo que se pode cogitar, por conseguinte, na extinção da punibilidade do agente por conta da satisfação da arrecadação tributária (ausência de lesão ao bem jurídico)[92]. O parcelamento, por outro lado, apenas torna inexigível o tributo, criando uma situação precária: o adimplemento das parcelas conserva a suspensão da exigibilidade, mas o inadimplemento torna novamente exigível o crédito. Então, pode-se falar, no máximo, em suspensão da punibilidade do agente.

As soluções legislativas passam pelos programas de recuperação de crédito tributários lançados pelos entes federativos. A extinção da punibilidade para alguns dos crimes tributários estava prevista no art. 14 da Lei 8.137/90[93], o qual foi revogado no ano seguinte. O requisito era o pagamento integral (principal e acessórios) do tributo ou da contribuição social antes do recebimento da denúncia.

Por conta da alteração da legislação acerca do imposto de renda, foi reintroduzida a hipótese legal de extinção da punibilidade, dessa vez para todos os crimes previstos na Lei 8.137/09, bem como na Lei 4.729/65. O requisito permaneceu o mesmo: pagamento integral do tributo ou contribuição social antes do recebimento da denúncia[94].

Até então, tratava-se apenas da extinção da punibilidade como corolário da extinção do crédito tributário. Havia um vácuo de regulação no tocante ao parcelamento do tributo durante o adimplemento. No ano de 2000, foi criado o Programa de Recuperação Fiscal (REFIS), por meio da Lei 9.964/00, na qual foi introduzida uma solução parcial. Além da reintrodução da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo, foi criada a suspensão da pretensão punitiva estatal, acompanhada da suspensão do prazo prescricional, em face dos sócios, quando a pessoa jurídica era incluída no REFIS antes do recebimento da denúncia[95].

Outra alteração legal resultou na reedição das hipóteses legais[96], mas o fez com algumas distinções: não circunscreveu o parcelamento, ampliou o rol de crimes cuja punibilidade é suspensa e extinta (arts. 168-A e 337-A do Código Penal), bem como não delimitou temporalmente a extinção da punibilidade. Nesse sentido, exsurge o entendimento de ser possível a extinção da punibilidade enquanto houver pretensão punitiva estatal, ou seja, desde que inexista sentença penal condenatória transitada em julgado[97], restando evidente a finalidade político-criminal de arrecadação[98].

Por fim, o caos foi instalado quando, a pretexto de solucionar controvérsias acerca do tema, foi elaborada uma mixagem incongruente, além de mais gravosa para os arguidos[99]. O art. 83 da Lei 9.340/96[100] foi alterado por meio da Lei 12.382/11[101], a qual criou um tratamento desigual para o parcelamento e para o pagamento. Em caso de parcelamento, é necessário formalizá-lo antes do recebimento da denúncia[102] para que a punibilidade seja suspensa. Mas o efeito jurídico do pagamento integral do tributo segue sendo a extinção da punibilidade do agente a qualquer momento (rectius: entre a prática do crime tributário e o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, pois, tratando-se de punibilidade, não há que se falar em pretensão punitiva após o trânsito em julgado, apenas em pretensão executória).

Por conta desse tratamento desigual, o qual contradiz a previsão legal expressa de extinção do crédito tributário diante da quitação do parcelamento, o tema chegou ao Judiciário, o qual precisou decidir sobre os limites da extinção da punibilidade, culminando na sedimentação do entendimento segundo o qual o pagamento do tributo, a qualquer tempo, extingue a punibilidade do agente[103][104].

 

5. Reparação do dano e pagamento do tributo devido: a encruzilhada legal do acordo de não persecução penal nos crimes tributários

A referida extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo devido pode coincidir com uma das condições objetivas do acordo de não persecução penal. Isso ocorre se preenchidos todos os pressupostos (requisitos e condições da ação penal[105]) e os requisitos legais do acordo de não persecução penal, sem incidir em alguma das proibições, diante da suposta prática de crime tributário previsto nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137/90 (alguns pressupõem a conclusão do processo administrativo tributário para o lançamento[106]) ou nos arts. 168-A ou 337-A do Código Penal. Ou seja, o acordo pressupõe o cabimento da denúncia (com o afastamento da ação penal privada[107]), além dos requisitos legais específicos e da não incidência em alguma das proibições.

Não se pode, ainda, admitir sobrecarga (overcharge[108]) de acusação destinadas a coagir os acordos[109], tanto por ser inconstitucional quanto por ser crime de abuso de autoridade[110]. Vale dizer, a celebração do acordo na presença de defensor não é garantia de efetiva tutela dos direitos e das garantias fundamentais[111], uma vez que, a despeito da solução consensual, ainda se exige do patrono a realização de uma defesa penal efetiva[112].

Remanesce, então, a discussão, entre defesa e acusação, acerca das condições objetivas as quais devem ser cumpridas pelo investigado. Da redação do caput do art. 28-A do Código de Processo Penal emerge a contradição anteriormente referida: trata-se de condições cumulativas ou alternativas? A conjunção “e” cria um paradoxo decorrente do antagonismo entre cumulação e alternativa. Nesse sentido, diante da impossibilidade de interpretação literal, restam quatro opções: (a) desprezar a última palavra (alternativamente), como se fosse o resto esquecido de uma alteração no projeto de lei; (b) ignorar a primeira (cumulativa), porquanto incompatível com a segunda; (c) defender a possibilidade de escolha das condições, cumulativas ou alternativas, a critério do Ministério Público; ou (d) propor critérios complementares do texto legal, em muitos casos usurpando competência legislativa.

A terceira opção parece a mais adequada à Constituição, à sistemática do sistema acusatório e ao instituto, bastando interpretar o “e” como se fosse “ou”. Trata-se, contudo, de um reparo interpretativo e precário. É imperiosa a alteração do texto legal para afastar qualquer dúvida que possa exsurgir, tanto porque não se pode unificar essa interpretação apenas com o contributo doutrinário quanto porque uma unificação de tal jaez pressupõe a alteração legislativa ou a declaração de nulidade parcial sem redução de texto e a subsequente interpretação conforme a Constituição feita pelo Supremo Tribunal Federal[113] – essa hipótese, apesar de solucionar o problema, não pode alterar o texto legal, portanto, apenas funciona para remendar o equívoco legislativo.

Entende-se que, via de regra, por força do favor rei, o acordo deve conter condições alternativas, relacionadas ao fato a respeito do qual se deseja extinguir a punibilidade por meio da celebração do acordo. Tampouco devem existir condições abusivas a pretexto da autorização legal ao Ministério Público para determinar “outra condição” (art. 28-A, V). Por fim, não devem conter condições contraditórias, como a imposição de renúncia a bens ou direitos não relacionados aos instrumentos, produtos ou proveitos do crime (art. 28-A, II), ou a exigência de reparação integral do dano (art. 28-A, I) quando tal reparação, por si só, resultar na extinção da punibilidade.

Para que as partes tenham alguma liberdade para discutir as condições do acordo, é necessário, como se disse, assentar o instituto no quadro de referência do sistema acusatório. O princípio dispositivo é o produto final do construto teórico germânico. Inicialmente, relacionado apenas ao início do processo (ne procedat judex ex officio), posteriormente para tratar também das provas e do conteúdo do processo (judex secundum alegata et probata partium judicare debet) [114].

Portanto, primeiro criou-se o que foi chamado de princípio da demanda (hoje praticamente esquecido, por conta da ampla difusão das noções de reserva da jurisdição ou de indefectibilidade da jurisdição) ou de máxima de negociação (Verhandlungsmaxime)[115], segundo o qual a jurisdição pressupunha provocação (ação), depois, a partir das discussões acerca de poderes instrutórios do juiz, integrou-se o princípio da demanda ao princípio dispositivo[116].

Pode também influenciar nas condições propostas a concepção de ação do membro do Ministério Público, mormente se adepto da teoria geral do processo, segundo a qual são gerais as condições da ação, independentemente de se tratar de Direito Processual Civil ou não. Tem-se aí um imbróglio iniciado pela concepção de início do processo com a ação, a qual é, simultaneamente, exercício (ação como substantivo do verbo agir), direito de exercício (ação como direito) ou direito de direito de exercício (direito de ação), cuja consequência imediata é o reconhecimento de um direito (fundamental, para alguns) do estado-acusador a dar início a um processo penal[117].

Soma-se a isso a deturpada noção de obrigatoriedade da ação penal, segundo a qual o Ministério Público estaria sempre obrigado a dar início ao processo penal, independentemente de existirem ou não elementos mínimos configuradores da justa causa (denuncismo[118]). A essa altura, já se nota que o direito de ação se chocou com a obrigatoriedade, produzindo uma confusão entre direito e dever que alguns pretendem resolver propondo um “direito-dever” de ação.

A confusão provocada pela teoria geral do processo em matéria de acordo de não persecução penal culmina na equivocada interpretação do cumprimento das condições do acordo como hipótese de afastamento da condição da ação chamada interesse de agir (hoje, no processo civil, chamadas de requisitos processuais[119]), caracterizada pela necessidade e pela utilidade da tutela jurisdicional[120]. O equívoco dessa concepção reside nas proibições do acordo para determinados crimes, em conformidade com a natureza da infração ou o quantum de pena, sem que tais vedações estejam relacionadas à ação penal. Daí por que, se o cumprimento do acordo esvaziasse o interesse de agir, seria cabível e afastaria o interesse de agir independentemente da classificação jurídica do crime[121].

É nesse quadro de reformulação da teoria do processo penal, assentado em uma teoria da acusação, dissociada da teoria da ação penal, que se pode refletir com maior profundidade acerca das condições do acordo de não persecução penal e, mais especificamente, sobre a negociação das condições desse acordo[122]. Evidentemente, para admitir que se discuta uma solução consensual para a controvérsia, faz-se imprescindível que haja indícios mínimos de autoria e materialidade[123], na medida em que não se pode cogitar de uma solução despenalizante quando a situação fática não ensejaria a persecução penal[124].

A exigência de reparação do dano, nos crimes tributários, corresponde à reparação da lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico-penal (arrecadação tributária). Tal reparação se dá pelo pagamento integral (principal e acessórios) do crédito tributário devidamente constituído (após o lançamento definitivo). São consequências jurídicas dessa reparação, em primeiro lugar, a extinção do crédito tributário, em segundo lugar, como efeito dessa extinção, a extinção também da punibilidade do agente. O parcelamento, por outro lado, não extingue o crédito tributário, mas suspende a exigibilidade do tributo e, como efeito, suspende a punibilidade do agente.

Subsiste, então, tanto na hipótese de pagamento quanto na hipótese de parcelamento, o crime tributário, mas o poder punitivo não pode ser desencadeado, seja pela extinção da punibilidade, seja pela suspensão. Sendo impunível o crime, não há que se falar em início ou em continuidade da persecução penal, pelo que seria inadequada a celebração de acordo de não persecução penal diante da extinção ou da suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Daí por que, diferentemente, p. ex., dos crimes ambientais[125], resta apenas uma alternativa: a reparação do dano, para fins de celebração do acordo de não persecução penal nos crimes tributários, não só não precisa ser integral, como pode ser dispensada. Podem as partes, portanto, discutir se é exigida a reparação e o quantum exigido.

Alguém poderia defender que, da interpretação sistemática dos crimes tributários, resultaria o entendimento de que bastaria o parcelamento do tributo para a celebração do acordo. Tal entendimento estaria assentado em argumentos bastante relevantes: (a) o parcelamento é instituto de recuperação de crédito tributário estabelecido em lei; (b) o parcelamento pressupõe o reconhecimento do débito por parte do investigado; (c) o mero inadimplemento[126] involuntário, total ou parcial, não caracteriza ato ilícito algum; (d) o adimplemento pode ser obtido em sede de execução fiscal na qual também podem ser pleiteadas as despesas decorrentes do inadimplemento[127]; e, (e) caso seja constatado o uso fraudulento do parcelamento para a celebração do acordo de não persecução penal, a extinção da punibilidade do agente pelo crime tributário não obsta a instauração de nova persecução penal que tenha por objeto tal fraude. Contudo, todas essas circunstâncias pressupõem a punibilidade.

Nesse sentido é que, ainda que subsista uma lesão efetiva ao bem jurídico-penal “arrecadação tributária”, entende-se que a reparação do dano não pode ser exigida como condição objetiva para o acordo de não persecução penal. Restaria a cogitação de percentual do débito, inferior ao valor exigido para formalizar o parcelamento, mas a reparação continuaria a coincidir com normas específicas mais benéficas para os arguidos, e o parcelamento continuaria a ser um pagamento parcial com potencial de extinção da punibilidade a qualquer momento.

6. Considerações finais

Neste trabalho, situou-se o acordo de não persecução penal no contexto da “americanização à brasileira”, partindo dos pressupostos teóricos dos sistemas processuais penais, a fim de propor um redimensionamento e um direcionamento interpretativo dos mecanismos brasileiros de justiça penal negocial rumo ao desencarceramento, em vez do uso entrópico dos institutos para a profusão do encarceramento seletivo e em massa.

Posteriormente, analisou-se a estrutura normativa e alguns aspectos pontuais do funcionamento do acordo de não persecução penal no processo penal brasileiro, dando algum destaque para a aberração decorrente da suspensão dos efeitos das normas que instituíram o juiz das garantias. Sem uma etapa intermediária conduzida por um juiz das garantias, não há como se chegar a um sistema acusatório. Consequentemente, pode haver o uso do acordo de não persecução penal como instrumento judicial de extorsão de acordos, com auxílio do Ministério Público.

Adentrou-se à temática específica dos crimes tributários para abordar as distinções entre suspensão da exigibilidade do crédito tributário pelo parcelamento e extinção do crédito tributário pelo pagamento, bem como dos respectivos efeitos: suspensão da punibilidade e extinção da punibilidade.

Feito esse percurso, culminou-se no ponto de cruzamento do trabalho, partindo das complicações decorrentes da inexistência de uma teoria da acusação, cuja consequência é a preservação da teoria da ação, imprestável para o acordo de não persecução penal. Concluiu-se com o apontamento da encruzilhada legal e, a partir dela, uma proposta interpretativa para solucionar a coincidência de consequências jurídicas do pagamento do tributo/reparação do dano: diante do caráter alternativo das condições do acordo de não persecução penal, o Ministério Público deve dispensar qualquer reparação do dano (o que parece a melhor opção, tendo em conta que o pagamento e o parcelamento do tributo, modalidades de reparação total e parcial do dano, possuem regramento específico mais benéfico).

Essa é apenas uma das inconsistências do acordo de não persecução penal. Para contribuir com futuros estudos sobre o tema, apontam-se como outros questionamentos ainda pertinentes: Em caso de descumprimento, a denúncia oferecida poderá ser instruída com cópia do termo de acordo? Eventuais elementos incriminatórios que acompanham o acordo poderão ser utilizados? Caso possam, quantos, quais, em que circunstâncias e para quais finalidades? Caso não possam, o que será feito com o acordo e demais elementos que o acompanhem? Desvios do curso causal da atividade probatória (teorias da fonte independente, da descoberta inevitável e da serendipidade) poderão ser invocados para aproveitar os elementos? A situação mais benéfica do investigado aceitando um acordo em detrimento da condenação será necessariamente perdida – não há reformatio in pejus indireta? Eventual descumprimento parcial enseja automaticamente a rescisão do acordo? Caso fortuito e força maior justificam descumprimentos? Outras hipóteses legais justificam? Condições cumpridas integral ou parcialmente podem ser descontadas de eventual pena imposta após o oferecimento da denúncia?

 

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BRASIL. Assembleia Constituinte. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Brasília: Assembleia Constituinte, 05 out. 1998. Disponível em: [www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm]. Acesso em: 16.04.2021.

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BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público. Resolução 181, de 7 de agosto de 2017a. Dispõe sobre instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal a cargo do Ministério Público. Disponível em: [www.cnmp.mp.br/portal/images/Resolucoes/Resoluo-181-1.pdf]. Acesso em: 16.04.2021.

BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público. Resolução 183, de 24 de janeiro de 2018. Altera os artigos 1º, 3º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 13, 15, 16, 18, 19 e 21 da Resolução 181, de 7 de agosto de 2017, que dispõe sobre instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal a cargo do Ministério Público. Disponível em: [www.cnmp.mp.br/portal/images/Resolucoes/Resoluo-183.pdf]. Acesso em: 16.04.2021.

BRASIL. Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Senado Federal, 13.10.1941. Disponível em: [www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm]. Acesso em: 08.12.2021.

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BRASIL. Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Brasília: Senado Federal, 27 dez. 1990. Disponível em: [www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8137.htm]. Acesso em: 16.04.2021.

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BRASIL. Lei 9.964, de 10 de abril de 2000. Institui o Programa de Recuperação Fiscal – Refis e dá outras providências, e altera as Leis 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.844, de 20 de janeiro de 1994. Brasília: Senado Federal, 10.04.2000. Disponível em: [www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9964.htm]. Acesso em: 16.04.2021.

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BRASIL. Lei 12.382, de 25 de fevereiro de 2011. Dispõe sobre o valor do salário mínimo em 2011 e a sua política de valorização de longo prazo; disciplina a representação fiscal para fins penais nos casos em que houve parcelamento do crédito tributário; altera a Lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996; e revoga a Lei 12.255, de 15 de junho de 2010. Brasília: Senado Federal, 25.02.2011. Disponível em: [www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12382.htm]. Acesso em: 16.04.2021.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante 24, de 11 de dezembro de 2009. Disponível em: [www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1265]. Acesso em: 16.04.2021.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Habeas corpus 5004647-30.2020.4.03.0000. Pacientes: Marcelo Alonso Crespo; Marco Antônio Alonso Crespo. Impetrado: 6ª Vara da Subseção Judiciária de Santos/SP. Relator: Desembargador Maurício Yukikazu Kato. 5ª Turma. São Paulo, 10.06.2020b. Disponível em: [https://web.trf3.jus.br/base-textual/Home/ListaColecao/9?np=1]. Acesso em: 22.04.2022.

[1] Parcela considerável dos equívocos do projeto de lei foram aprovados e sancionados, de modo que a ácida crítica permanece válida: “nos surpreendemos negativamente com a baixa qualidade técnica do projeto. Não é algo no nível que se pode esperar de um ex-professor Doutor de Direito Processual Penal, da Universidade Federal do Paraná, que ainda teve a experiência de ser juiz federal criminal por vários anos. De fato, ficamos perplexos com alguns equívocos basilares quanto a conceitos do direito processual penal, constantes no projeto, e, por isso, desde já, pedimos vênia ao leitor para adotarmos um certo tom didático e mesmo de primeiras linhas da disciplina processual” (AMORIM, 2019, p. 44).

[2] Cf. VASCONCELLOS, 2018.

[3] COUTINHO, 2019, p. 4.

[4] Tema cuja reforma já é objeto de diversas propostas, sobretudo por conta da antecipação do cumprimento da pena em nome do combate à impunidade. Cf. DAVID; CANI, 2019.

[5] “Refundar o marco normativo cultural exige o emprego e o domínio de instrumentos e conceitos que, se não são certamente desconhecidos na literatura nacional e no processo legislativo das reformas pontais que marcaram o cenário brasileiro desde 1988, têm sido marcantemente subutilizados ou, quando empregados, não raras vezes o foram de maneira distorcida acarretando o oposto do quanto deles se buscava” (CHOUKR, 2017a).

[6] Conforme se pode notar com a conclusão da terceira manhã e do evento, nas palavras de Francesco Carnelutti “I risultati, a mio avviso, […] sono due: uno è quello di avere costatato che, unanimimente, si è riconosciuto che la riforma del processo penale è necessaria. È già stato molto, creare una opinione comune dei magistrati, degli avvocati e degli studiosi del diritto intorno a questo punto. […] Ma ce n’è un secondo, ed è quello che, mentre tutti siamo stati concordi nel ritenere che la riforma sia necessaria, ci sono stati pure dei dissensi. E anche questo è un risultato acquisito, perché i diversi pareri che sono stati manifestati, di qua e di là, da destra e da sinistra, mostrano che la riforma se è necessaria, è anche assai difficile. E noi dobbiamo avere la conscienza insiema della sua necessità e della sua difficoltà” (LUCA, 1962, p. 294-295).

[7] LAMPEDUSA, 1979, p. 40.

[8] COUTINHO, 2008, p. 11.

[9] Sobre: GONZÁLEZ POSTIGO, 2017; GONZÁLEZ POSTIGO, 2018a; GONZÁLEZ POSTIGO, 2019; GONZÁLEZ POSTIGO, 2020.

[10] Cf. GONZÁLEZ POSTIGO, 2018b, p. 503-505.

[11] Cf. GONZÁLEZ POSTIGO, 2017, p. 17.

[12] “Do ponto de vista do comprometimento de setores da intelectualidade processual penal com a formação dos projetos de lei pode-se observar a forte presença da denominada Escola Processual de São Paulo, influenciadora direta das reformas pontuais desde 1991. Neste sentido, o engajamento intelectual é, em certa medida, compreendido como instrumento para alcance de determinado grau de governabilidade do sistema penal com a edificação normativa de políticas criminais” (CHOUKR, 2017b, p. 27).

[13] “[…] pode-se ter um novo CPP, constitucionalmente fundado e democraticamente construído, mas ele será somente linguagem se a mentalidade não mudar” (COUTINHO, 2009).

[14] Cf. GLOECKNER, 2018.

[15] “A metáfora do ‘transplante legal’ (legal transplant) tem sido o principal dispositivo usado por pesquisadores e praticantes do direito comparado para analisar a importação de práticas jurídicas estrangeiras. A metáfora, contudo, possui deficiências. O seu principal problema é que transmite a noção de que ideias e instituições podem ser simplesmente ‘recortadas e coladas’ entre os sistemas jurídicos. Dessa maneira, a metáfora falha na explicação da transformação que ideias e instituições jurídicas podem sofrer quando transferidas entre sistemas jurídicos. Neste artigo, eu proponho o uso da metáfora da ‘tradução legal’ (legal translation) como um dispositivo heurístico alternativo para ser empregado na análise da transferência de ideias e institutos entre sistemas jurídicos. Os sistemas adversarial e inquisitorial, compreendidos como duas diferentes culturas processuais, podem ser entendidos como dois diversos sistemas de produção de significado” (LANGER, 2017, p. 27).

[16] “A questão é tentar quase o impossível: compatibilizar a Constituição da República, que impõe um Sistema Acusatório, com o Direito Processual Penal brasileiro atual e sua maior referência legislativa, o CPP de 41, cópia malfeita do Codice Rocco de 30, da Itália, marcado pelo princípio inquisitivo nas duas fases da persecutio criminis, logo, um processo penal regido pelo Sistema Inquisitório” (COUTINHO, 2007, p. 12).

[17] “Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação” (BRASIL, 1941).

[18] BRASIL, 2020a.

[19] ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS, 2019.

[20] “Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada” (BRASIL, 1941).

[21] “Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante” (BRASIL, 1941).

[22] “No Brasil, é possível encontrar 04 linhas teóricas que se propõem a definir o sistema acusatório. Nesse sentido, há quem o defina: a) simplesmente identificando a separação entre quem acusa e quem julga; b) a partir da existência de diversas garantias processuais, entre elas, a imparcialidade do juiz, contraditório, ampla defesa, oralidade e publicidade; c) em razão da inércia absoluta do juiz na fase probatória; e d) a partir da imprescindibilidade de um acusador distinto do juiz, e do fato de o processo somente ter seu início com o ajuizamento da ação” (ANDRADE; BRANDALISE, 2017, p. 248).

[23] BRASIL, 2010.

[24] “[…] o motivo principal para a adoção de estratégias negociais no âmbito do modelo adversarial está atrelado a uma lógica de diminuição dos casos que serão submetidos às fases probatórias e de exercício do contraditório e da ampla defesa” (RIOS, 2018, p. 212).

[25] “[…] unidade de conhecimentos diversos sob uma ideia […] o conceito racional da forma de um todo, na medida em que nele se determinam a priori, tanto o âmbito do diverso, como o lugar respectivo das partes” (KANT, 2001, p. 669).

[26] COUTINHO, 1998, p. 165.

[27] “Sobre o conceito geral de sistema […] é ainda determinante a definição clássica de KANT, que caracterizou o sistema como ‘a unidade, sob uma ideia, de conhecimentos variados’ ou, também, como ‘um conjunto de conhecimentos ordenado segundo princípios’” (CANARIS, 2002, p. 9-10).

[28] “[…] em uma estrutura inquisitória, na qual o julgador ocupa o lugar central no aparato, vez que concentra amplos poderes (é o senhor do processo), e às partes resta uma atuação secundária, o instituto aparece, dentre outras coisas, como um mecanismo de desafogamento das varas criminais, visto que fornece uma resposta mais rápida para o caso, acelerando a punição. Em outras palavras, em um sistema inquisitório caberia primordialmente ao juiz decidir sobre o mérito do acordo (em determinado caso, para determinado cidadão), escolhendo quem punir e como punir, independentemente da vontade das partes” (POLI; VILLA, 2020, p. 177).

[29] Cf. RIOS, 2018, p. 214.

[30] COUTINHO, 2019, p. 3.

[31] No-crime foi a expressão cunhada por Jessica S. Henry, para designar as condenações em casos nos quais os condenados não praticaram crime algum. Dentre os principais motivos que levam pessoas a aceitar um acordo estão as dificuldades cotidianas para desafiar a acusação, isto é, para levar o caso a julgamento e litigar: “My innocent clients, who were poor and almost black or brown, invariably took the arraignment plea offer. They didn’t want the very real hassle and inconvenience of having to deal with the criminal court logistics – endless security lines, bag searches, and courtroom days – even to fight a case that should never have been brought. They could not afford to miss more work. They had no one to watch their children or help their elderly relatives. It was a rare case when my client was willing to litigate a trespass charge to the bitter end. For the few who agreed to return, I filed motions to dismiss their cases. We often, though not always, prevailed. In other cases, my clients started out willing to challenge the charges but eventually decided to plead because the fight was too burdensome” (HENRY, 2020, p. 153-154).

[32] “Na prática, o plea bargaining visa lutar contra o acúmulo de trabalho (e isso, pelo menos, desde o Século XIX, nos E.U.A.), mas sem deixar de lado os direitos e garantias individuais, dos quais eles não abriram mão, ainda que muita gente reclame e afirme que é justo isso que estão fazendo. […] Ter plea bargaining é inevitável se o processo penal brasileiro vier a ser acusatório. Mas para isso é preciso, antes, importar o sistema todo, com ônus e bônus. Do jeito que se está tentando impor, os ônus ficarão para os cidadãos investigados/acusados; e os bônus – tudo indica – ficarão para o Estado e seus órgãos” (COUTINHO, 2019, p. 3-4).

[33] GLOECKNER, 2018, p. 481.

[34] COUTINHO, 2017, p. 65.

[35] MELCHIOR, 2017, p. 49.

[36] MELCHIOR, 2017, p. 50.

[37] “[…] não se tomará tal modelo [acusatório] em sua totalidade, […] mas sim se tomarão emprestadas algumas medidas isoladas, muitas vezes denominadas “pacotes”, “salva vidas”, ou “rodas de auxílio” de outros sistemas que reconhecem uma origem totalmente diversa (o já mencionado modelo francês). Formar-se-á então um híbrido do sistema continental europeu ao nele serem injetados aportes anglo-saxões; assim se desvirtuando tanto de um quanto de outro, retornando, na maioria das vezes, às velhas práticas inquisitivas que se pretendia erradicar há pelo menos 100 anos” (ANITÚA, 2017, p. 358).

[38] “[…] simplificar é complexo. Celeridade não pode ser sinônimo de não fazer justiça” (RODRIGUES, 1998, p. 242).

[39] Daí toda a ênfase que tem sido dada à oralidade nas reformas processuais penais latino-americanas. Por todos: BINDER, 2014.

[40] LANGBEIN, 1978, p. 4-5.

[41] LANGBEIN, 1978, p. 8-9.

[42] “Defenders of plea bargaining sometimes try to minimize the force of this point with a reductio-ad-absurdum argument: granted that plea bargaining is coercive, so is virtually every exercise of criminal jurisdicion, since few criminal defendants are genuine volunteers. […] Coercion authorized by law is different from coercion meant to overcome the guarantees of law. Coercing people to stand trials is different from coercing them to waive trial and to bring upon themselves sanctions that should only be imposed after impartial adjudication. […] Like torture, the sentencing differential in plea bargaining elicits confessions of guilt that would not be freely tendered. It is, therefore, coercive in the same sens as torture, although not in the same degree” (LANGBEIN, 1978, p. 13).

[43] “[…] o acordo não se pode denominar como de ‘não persecução penal’, pois já iniciada [a persecução]. Inclusive, caso efetivado o acordo, a persecução penal será ultimada com êxito, aplicando-se uma sanção penal” (AMORIM, 2019, p. 44).

[44] BERTI, 2019, p. 201.

[45] BRASIL, 1988.

[46] O Judiciário recebia os autos apenas após o cumprimento integral, razão pela qual era requerido o arquivamento do procedimento investigatório, ou em caso de descumprimento das condições, hipótese em que o investigado era denunciado: “Art. 18, § 6º. Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo ou não comprovando o investigado o seu cumprimento, no prazo e nas condições estabelecidas, o membro do Ministério Público deverá, se for o caso, imediatamente oferecer denúncia. Art. 18, § 8º. Cumprido integralmente o acordo, o Ministério Público promoverá o arquivamento da investigação, sendo que esse pronunciamento, desde que esteja em conformidade com as leis e com esta Resolução, vinculará toda a Instituição” (BRASIL, 2017a).

[47] “Art. 18, § 4º. Realizado o acordo, a vítima será comunicada por qualquer meio idôneo e os autos serão submetidos à apreciação judicial” (BRASIL, 2018).

[48] Confundindo necessidade de reduzir o contingente de casos pendentes de julgamento com constitucionalidade da medida: “o nosso caótico sistema penal justifica o surgimento desse acordo, cuja possibilidade de celebração estaria ínsita nas funções institucionais do Ministério Público, não constituindo propriamente uma inovação da lei processual penal, de competência legislativa privativa da União (CR/1988), com o necessário concurso do Congresso Nacional (CR/1988, art. 48, caput)” (GARCIA, 2018, p. 42).

[49] “O artigo 22, I, da CF/1988, que prevê a competência privativa da União para legislar sobre direito processual, não permite que o CNMP, por ato administrativo, crie um novo instrumento de solução antecipada de casos criminais. Uma resolução, por ser um ato normativo secundário, não pode promover alterações na esfera da legislação processual penal, desprezando a competência constitucional do Congresso Nacional” (ANDRADE, 2018, p. 57).

[50] No sentido de que a inconstitucionalidade material decorre de afronta ao princípio da obrigatoriedade (o qual não tem assento constitucional expresso): “O conteúdo do artigo 18 da resolução afronta a regra constitucional do artigo 129, I, da CF/1988, que, ao lado do artigo 24 do CPP, é a base do denominado princípio da indisponibilidade ou da obrigatoriedade da ação penal pública incondicionada? […] não se pode esquecer que o artigo 5º, LIX, da CF/1988 e o artigo 29 do CPP admitem o ajuizamento da ação privada subsidiária da pública, se esta não for intentada no prazo legal. Esses preceitos, somados ao já mencionado artigo 129, I, da CF/1988, indicam que tal princípio [da obrigatoriedade] não é um mito, sendo inegável que o sistema brasileiro é adepto do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, devendo a lei processual disciplinar as hipóteses em que fica mitigado ou flexibilizado” (ANDRADE, 2018, p. 53-54).

[51] BERTI, 2019, p. 201.

[52] COUTINHO, 2019.

[53] “O Pacote do Ministério da Justiça – e assim deve ser pensado, ainda que convenientemente tenha sido desmembrado – inicia por uma arrogância sem igual: os diversos “novos” artigos foram apresentados ao público sem qualquer diálogo prévio com a academia e com a sociedade civil, sem justificativa ou mínima fundamentação” (COMISSÃO Editorial, 2019, p. 1).

[54] “O que se tem no projeto, na realidade, é uma ampliação do uso do instituto da transação penal, que é semelhante ao acordo penal anterior à denúncia em praticamente tudo, sendo certo que a Constituição Federal não permitiu tal modalidade de julgamento sumário para além da competência dos Juizados Especiais Criminais, conforme podemos perceber no art. 98, inc. I, da CF” (AMORIM, 2019, p. 49).

[55] “Art. 395-A. Após o recebimento da denúncia ou da queixa e até o início da instrução, o Ministério Público ou o querelante e o acusado, assistido por seu defensor, poderão requerer mediante acordo penal a aplicação imediata das penas. […] § 2º As penas poderão ser diminuídas em até a metade ou poderá ser alterado o regime de cumprimento das penas ou promovida a substituição da pena privativa por restritiva de direitos, segundo a gravidade do crime, as circunstâncias do caso e o grau de colaboração do acusado para a rápida solução do processo. […] § 8º Para todos os efeitos, o acordo homologado é considerado sentença condenatória” (BRASIL, 2019a).

[56] BRASIL, 1941.

[57] “[…] não abrange esta situação que não se enquadra na regra que exclui a aplicação do ANPP (art. 28-A, § 2º, inciso III, do CPP) que os fatos ocorreram no mesmo momento, no mesmo local, no mesmo horário, praticados pelo mesmo agente, mas que a apuração foi desmembrada em decorrência da competência absoluta da Justiça Federal e da Justiça Estadual” (BRASIL, 2021).

[58] “[…] a confissão contida no acordo é requisito para se evitar uma denúncia, e não um início de prova em desfavor do acordante a embasar uma ação penal pública, configurando violação ao princípio geral do direito venire contra factum proprium (veração do comportamento contraditório) qualquer uso inquisitorial ou acusatório de uma confissão obtida para fins estritamente consensuais” (SANTOS, 2019, p. 239).

[59] A redação do caput do art. 28-A menciona “condições ajustadas cumulativa e alternativamente”. Mais uma vez, a péssima técnica legislativa culminou na criação de termos contraditórios: ou são cumulativas ou são alternativas. Não é possível que sejam as duas. Logo, no lugar de “e” é necessário ler “ou”. Em cada caso, as condições devem ser propostas em conformidade com o juízo de necessidade e suficiência para a reprovação e prevenção do crime.

[60] Nesse aspecto, não houve alteração da redação do projeto de lei, de modo que permanece válida a crítica à vedação do acordo em casos de reincidência culposa: “soa pertinente excluir da vedação ao acordo a hipótese do reincidente em crime culposo, que, ao contrário do reincidente em crime doloso, pode receber determinados benefícios na esfera penal comum – ex.: penas alternativas e regime aberto –, inexistindo motivo aparente, portanto, para vedar, no presente dispositivo, o benefício do acordo de não persecução penal” (SANTOS, 2019, p. 248).

[61] Eis a principal abertura para uma leitura inquisitória do ANPP: “A possibilidade de o magistrado avaliar a proposta como ‘branda’, negando a validade do acordo, é uma boa pista de como a nova legislação sugere tirar a lógica inquisitorial pela porta do processo penal, para colocá-la de volta pelas janelas” (DUCLERC; MATOS, 2022, p. 249).

[62] Não se pode desconsiderar, contudo, que tais juízos seguem a ser estilhaços inquisitórios: “a intromissão do julgador na esfera da ‘inadequação’ ou ‘insuficiência’ das condições propostas no acordo remete o instituto à matriz inquisitória de processo penal. O controle daquilo que é proposto e realizado pelo Ministério Público deve ser hierárquico, da própria Instituição, e não judicial, sob pena de desconfigurar a estrutura acusatória delineada pelo artigo 3-A do Código de Processo Penal” (POLI; VILLA, 2020, p. 178-179).

[63] “Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente: […] IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;” (BRASIL, 1941).

[64] “Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que: […] III – tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito sobre questão;” (BRASIL, 1941).

[65] “Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente: […] XIV – decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código;” (BRASIL, 2019). Em sentido próximo: “quando a realização da audiência homologatória do acordo for feita perante um juiz das garantias […], a contaminação psíquica pode ser (parcialmente) evitada, vez que o juiz responsável pelo julgamento do mérito deve, necessariamente, ser diferente daquele que homologou e rescindiu o acordo de não persecução penal. Contudo, no que se refere à decisão de recebimento da denúncia, nos casos de revogação do acordo […] pelo não cumprimento, poderá haver a vinculação psíquica do juiz das garantias, tendo em vista que teve contato com a confissão circunstancial feita no acordo homologado anteriormente” (POLI; VILLA, 2020, p. 183-184).

[66] “Art. 28. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei” (BRASIL, 1941).

[67] “Embora frequentemente confundido com a sistemática do plea bargaining norte-americano, o acordo de não persecução penal não possui coercitividade e representa espécie – a sétima – de acordo de não denunciação, motivo pelo qual não versa sobre penas, e sim, condições livremente pactuadas entre os acordantes. O acordo não modifica a estrutura do processo penal brasileiro, apenas oferece uma oportunidade extrajudicial de consenso na justiça criminal, que tem como consequência o arquivamento do procedimento investigativo por ausência de interesse de agir” (SANTOS, 2019, p. 250).

[68] “Já o artigo 28-A, § 6º, do Projeto de Lei Anticrime (BRASIL, 2019) [cuja redação foi aprovada e sancionada] determina que, homologado o acordo, seja ele executado perante o juízo de execução penal. A uma, é incabível falar em juízo da execução penal, pois o acordo de não persecução penal não negocia penas, e sim, a não denunciação. A duas, o acordo de não persecução penal não possui força executiva, tal como o plea barganing norte-americano, isto é, se o investigado/acordante desejar descumprir o acordo, a única consequência será a denunciação. A três, levar o feito ao juízo da execução penal traz delonga e carga de trabalho desnecessários ao Poder Judiciário, exatamente o que se pretende evitar por meio do acordo de não persecução penal” (SANTOS, 2019, p. 249).

[69] Não se está a ignorar que Edwin Sutherland propôs uma classificação que extrapolava os limites jurídicos para melhor compreender o fenômeno, como ele mesmo reconheceu. Quer-se dizer, contudo, que o direito penal econômico, ao versar também, por exemplo, sobre crimes ambientais, já não está circunscrito apenas àqueles crimes.

[70] “A criminalidade de colarinho branco nos negócios manifesta-se com maior frequência na forma de deturpação de demonstrativos financeiros de corporações, manipulação na bolsa de valores, corrupção privada, corrupção direta ou indireta de servidores públicos a fim de obter contratos e leis favoráveis, vendas e publicidade enganosas, apropriação indébita e uso indevido de ativos, adulteração de pesos e medidas e falsificação de mercadorias, fraudes fiscais, uso impróprio de valores em recuperações judiciais e falências. Essas são violações às quais Al Capone denominou de ‘trapaças legítimas’. Essas e muitas outras existem em abundância no mundo dos negócios” (SUTHERLAND, 2014, p. 95).

[71] “Tal concepto [de derecho penal económico] abarca aquellas partes del Derecho Penal que tutelan primordialmente el bien constituido por el orden económico estatal en su conjunto, y en consecuencia, el flujo de la economía en su organicidad, en una palabra, la economía nacional. En tanto este organismo económico se halla, como valor supraindividual, preponderantemente institucionalizado y ordenado, dirigido y vigilado por vía de las medidas administrativas – con lo cual se verifica la política económica –, la materia alcanzada por la definición es el Derecho Penal Económico Administrativo. Al Derecho Penal Económico en este sentido restrictivo corresponde una concepción del Derecho Económico como Derecho de la dirección de la economía por el Estado. […] Especialmente, el Derecho de los precios, incluyendo la llamada usura social. Además, cabe en este concepto el Derecho Penal Económico externo, que regla el intercambio económico con áreas econômicas extranjeras, y que en la actualidad alemana, apartándose objetivamente de la anterior legislación sobre fuga de capitales y economía de divisas, también ha tomado para sí el antiguo Derecho Cambiario. […] Se da un ámbito mayor al concepto de los delitos económicos si se aplica la idea de que el Derecho Económico está formado por el conjunto de aquellas normas jurídicas promulgadas para la regulación de la producción, fabricación y reparto de bienes económicos. Para distinguir estos delitos de los que corresponden al Derecho Penal patrimonial se acude a la exigencia del bien jurídico colectivo o supraindividual (social) aun cuando se añade, concurrentemente, la protección del particular – consumidor o competidor” (TIEDEMANN, 1983, p. 67-68).

[72] “A relação tributária, como qualquer outra relação jurídica, surge da ocorrência de um fato previsto em uma norma como capaz de produzir esse efeito. Em virtude do princípio da legalidade, essa norma há de ser uma lei em sentido restrito, salvo em se tratando de obrigação acessória […] A lei descreve um fato e atribui a este o efeito de criar uma relação entre alguém e o Estado. Ocorrido o fato, que em Direito Tributário denomina-se fato gerador, ou fato imponível, nasce a relação tributária, que compreende o dever de alguém (sujeito passivo da obrigação tributária) e o direito do Estado (sujeito ativo da obrigação tributária). O dever e o direito (no sentido de direito subjetivo) são efeitos da incidência da norma” (MACHADO, 2002, p. 109).

[73] “respeitáveis penalistas latino-americanos admitem o bem jurídico como critério de criminalização, afirmando que toda lesão de bens jurídicos deve ser criminalizada (o que é correto) e negando que todo bem jurídico deva ser protegido por criminalização (o que também é correto), mas rejeitam o bem jurídico como objeto de proteção penal, porque no homicídio e no estupro, por exemplo, a pena criminal não protegeria a vida, nem a sexualidade das vítimas” (SANTOS, 2012, p. 15-16).

[74] “a doutrina nacional, a partir desse texto legal, dividiu-se quanto à sua determinação: ‘ordem tributária’, erário ou patrimônio público, receita tributária, Administração Pública, pretensão do Estado ao recebimento integral de cada um dos tributos, direito que o Estado tem de instituir e cobrar impostos e contribuições. Não faltaram, ainda, aqueles que identificaram diferentes ‘bens jurídicos’ no interior das hipóteses típicas previstas” (ESTELLITA, 2001, p. 204-205).

[75] Vide: SANTOS, 2012, p. 107 e ss.

[76] BRASIL, 1990.

[77] “[…] partindo-se da proposta de que o bem jurídico tutelável dentro do sistema constitucional tributário, é a arrecadação tributária torna-se possível a análise crítica das figuras delitivas dos arts. 1.º e 2.º da Lei 8.137/90” (ESTELLITA, 2001, p. 207).

[78] “A obrigação tributária […] é de duas espécies: principal e acessória. A obrigação principal, no dizer do CTN, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária (art. 113, § 1º). Tem sempre conteúdo patrimonial. Já a obrigação acessória, segundo o CTN, decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos (art. 113, § 2º)” (MACHADO, 2002, p. 110).

[79] “a vulnerabilidade do bem jurídico-penal somente se apresenta após o nascimento da obrigação principal, que tem por objeto o pagamento de tributo, momento a partir do qual poderá correr riscos que, então, alcançarão o nível de lesão, quando do inadimplemento, total ou parcial, da quantia devida a título de tributo. É justamente entre esses dois momentos (nascimento da obrigação principal e sua extinção pelo pagamento) que se torna possível o ataque ao bem jurídico tutelado. Ocorre que a exigibilidade do crédito tributário, correlato à obrigação tributária, depende de sua apuração, que se perfaz, na maioria das vezes, com base ou por meio dos elementos de informação trazidos pelo contribuinte, através do cumprimento das obrigações acessórias” (ESTELLITA, 2001, p. 191).

[80] “A obrigação acessória é instituída pela legislação, que é lei em sentido amplo (art. 96). Sempre no interesse da arrecadação ou fiscalização dos tributos (art. 113, § 2º). Não implica para o sujeito ativo (fisco) o direito de exigir um comportamento do sujeito passivo, mas o poder jurídico de criar contra ele um crédito, correspondente à penalidade pecuniária” (MACHADO, 2002, p. 111).

[81] “O descumprimento da obrigação acessória deve demonstrar aptidão para colocar em perigo a arrecadação tributária. Essa aptidão existirá quando entre a obrigação acessória e a obrigação principal de pagar tributo estabelecer-se nexo de instrumentalidade, e não de mera probabilidade. A instrumentalidade é requisito sem o qual não se pode falar em perigo para o bem jurídico tutelado” (ESTELLITA, 2001, p. 197).

[82] “Em primeiro lugar, a lei descreve hipótese em que o tributo é devido. É a hipótese de incidência. Concretizada essa hipótese pela ocorrência do fato gerador, surge a obrigação tributária, vale dizer, o vínculo jurídico por força do qual o particular sujeita-se a ter contra ele feito um lançamento tributário. Em face da obrigação tributária o Estado ainda não pode exigir o pagamento do tributo” (MACHADO, 2002, p. 150).

[83] “Para fins didáticos, podemos dizer que a obrigação tributária corresponde a uma obrigação ilíquida do Direito Civil, enquanto o crédito tributário corresponde a essa mesma obrigação depois de liquidada. O lançamento corresponde ao procedimento de liquidação. […] O crédito tributário, portanto, é o vínculo jurídico, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou [terceiro] responsável (sujeito passivo), o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional)” (MACHADO, 2002, p. 110 e 150).

[84] “não se deve confundir bem jurídico tutelado e ratio da norma incriminadora, procedimento próprio da concepção metodológica do bem jurídico, que lhe subtrai as possibilidades de operar com função limitadora do ius puniendi e crítica do direito posto” (ESTELLITA, 2001, p. 205).

[85] “Não se trata de dar cobertura a uma indiscriminada criminalização das atividades económicas irregulares, que não apenas seria ilegítima mas também disfuncional. Mas o que se diz é que tão-pouco cabe a ‘inibição’, a ‘resistência’, quando essas condutas atingem bens jurídicos essenciais. Entre o excesso e a abstenção punitivistas, entre o ‘fugir para o direito penal’ e o ‘fugir do direito penal’, ambas as opções incompatíveis com estratégias preventivas eficazes, está o equilíbrio que se assinalou entre as exigências de proteção de novos bens jurídicos e o da utilização do direito penal como ultima ratio da política social. Equilíbrio traduzido na proteção de bens jurídicos relevantes – um bem jurídico de grande importância e claramente identificado – perante lesões insuportáveis de que sejam objeto, de acordo com o princípio da necessidade da intervenção penal” (RODRIGUES, 2019, p. 29-30).

[86] “embora não se possa identificar o bem jurídico-penal da arrecadação tributária com a obrigação tributária principal de pagar tributo, notamos que somente esta, dentre as demais obrigações tributárias, integra o núcleo daquele bem, conectando-se à carga valorativa positiva a ele atribuída constitucionalmente” (ESTELLITA, 2001, p. 191-192).

[87] “na medida em que o pagamento dos tributos está a depender da exigibilidade do crédito tributário, essa circunstância é essencial para que se possa avaliar a eventual lesão ao bem jurídico. Antes deste momento, somente poderemos pensar em estados de periculosidade para a arrecadação tributária, quando, então, estaremos no domínio próprio das obrigações acessórias” (ESTELLITA, 2001, p. 192).

[88] Vide: FERRAJOLI, 1995, p. 91-94.

[89] “Uma vez constituído, o crédito tributário somente se modifica, ou se extingue, ou tem a sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos em lei, fora dos quais não pode a autoridade administrativa dispensar o seu pagamento, nem as suas garantias, sob pena de responsabilidade funcional (CTN, art. 141). Assim é porque o tributo, por sua própria definição legal, há de ser cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada (CTN, art. 3º)” (MACHADO, 2002, p. 151).

[90] “Art. 156. Extinguem o crédito tributário: I – o pagamento;” (BRASIL, 1966).

[91] “Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: […] VI – o parcelamento” (BRASIL, 1966).

[92] “A extirpação da punibilidade do crime tributário pelo pagamento do tributo revela-se como forma de descriminalização implícita do delito tributário no Brasil. […] recomposto o dano, se extinguiria o ius puniendi estatal” (HUGO, 2011, p. 63-64).

[93] “Art. 14. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos nos arts. 1° a 3° quando o agente promover o pagamento de tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia” (BRASIL, 1990).

[94] “Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia” (BRASIL, 1995).

[95] “Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal. § 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 2º O disposto neste artigo aplica-se, também: I – a programas de recuperação fiscal instituídos pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, que adotem, no que couber, normas estabelecidas nesta Lei; II – aos parcelamentos referidos nos arts. 12 e 13. § 3º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal” (BRASIL, 2000).

[96] “Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. § 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios” (BRASIL, 2003).

[97] Ou, a qualquer momento: “Em nosso entender, o dispositivo pode perfeitamente ser interpretado de forma a permitir que sempre que houver pagamento, independentemente de ser o momento final do parcelamento, extinta estará a punibilidade e, agora, sem limite temporal, isto é, sem que o recebimento da denúncia inviabilize o efeito jurídico-penal do pagamento integral do tributo” (ESTELLITA, 2003, p. 2).

[98] “os critérios de natureza fiscal, meramente ‘arrecadatórios’, sobrepõe-se aos enunciados penais da desistência voluntária e da reparação do dano, amplamente reconhecidos” (RIOS, 2003, p. 138).

[99] “Pela nova regra – atualmente em vigor – o parcelamento só é admitido para fins de suspender a punibilidade e o prazo prescricional quando realizado antes do recebimento da denúncia” (MILANEZ, 2017).

[100] “Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente. § 1º Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a representação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento. § 2º É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal. § 3º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 4º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento. § 5º O disposto nos §§ 1º a 4º não se aplica nas hipóteses de vedação legal de parcelamento. § 6º As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz” (BRASIL, 2000).

[101] BRASIL, 2011.

[102] Não se desconhece que Prado identifica uma etapa intermediária de admissibilidade da acusação a partir da Lei 11.719/08, entre a investigação e a instrução, indicando a opção por um modelo acusatório de processo penal (PRADO, 2021, p. 120). Segundo o autor: “Esta etapa se encerra com a admissão ou rejeição da denúncia ou ainda com a absolvição do acusado” (PRADO, 2021, p. 120). Nesse ponto, Aury Lopes Jr., diante da redação dos arts. 396 e 399 do Código de Processo Penal, apresentando hipótese de um duplo recebimento da denúncia, entende que, com a inserção da mesóclise ‘recebê-la-á’ no art. 396 do Código de Processo Penal, tem-se “[…] a manutenção do sistema de recebimento imediato da acusação, antes do oferecimento da resposta da defesa” (LOPES JR., 2022, p. 830). Não há, portanto, unanimidade nessa temática. Apesar disso, em 2020, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região julgou o habeas corpus 5004647-30.2020.4.03.0000, no qual decidiu, com acerto, que o recebimento da denúncia que impacta a admissão do parcelamento é aquele favorável aos acusados, isto é, o que ocorre após a apresentação de resposta à acusação. Nesse sentido, o Desembargador Relator Maurício Kato assentou que: “[…] considerando que na atual sistemática do processo penal, o juízo, antes da instrução, analisa a inicial acusatória sob aspectos diversos e em momentos temporais diferentes, entendo que a aplicação da regra do §2º, do artigo 83, da Lei 9.430/1996 enseja dúvida quanto ao momento crucial de admissão do parcelamento para o efeito de suspender da ação penal e, portanto, me parece que a solução deve recair em favor dos réus, principalmente porque é incontroverso que a adesão e consolidação do benefício fiscal ocorreram entre o primeiro recebimento da denúncia e o juízo que analisou as respostas à acusação” (BRASIL, 2020b).

[103] Nesse sentido: BRASIL, 2013; BRASIL, 2017b.

[104] O STF também já decidiu, em 2014, que: “No caso de suposta prática de crime tributário, basta, para a suspensão da pretensão punitiva e da prescrição, que tenha o agente obtido da autoridade competente o parcelamento administrativo do débito fiscal, ainda que após o recebimento da denúncia, mas antes do trânsito em julgado da sentença condenatória” (BRASIL, 2014).

[105] “[…] para que o Ministério Público possa propor o acordo, faz-se necessário que o lastro probatório mínimo indique a existência de uma conduta típica, ilícita e culpável, indícios de autoria e que tenha legitimidade para tal, além de atribuição. Portanto, o Ministério Público, ao propor o acordo penal anterior à denúncia, faz uma verdadeira acusação, pretendendo a aplicação de uma pena restritiva de direitos. São esses os elementos componentes de uma acusação: narrativa de um fato criminoso, atribuição desse fato a alguém, classificação jurídica do fato e pedido de condenação” (AMORIM, 2019, p. 50).

[106] “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo” (BRASIL, 2009).

[107] “A ação penal privada subsidiária da pública não tem lugar quando o Ministério Público deixa de oferecer sua acusação, mas se manifesta na investigação criminal já concluída. Exemplos disso são: a) o requerimento de arquivamento; b) a requisição de diligências à autoridade policial; c) a complementação, por ele mesmo, da investigação criminal (artigo 47 do Código de Processo Penal); d) a indicação de incompetência do juízo; e e) a negativa de sua atribuição para atuar naquela investigação criminal” (ANDRADE; BRANDALISE, 2017, p. 255).

[108] “1) To charge more than a posted or advertised price. 2) To file a criminal complaint for more serious crimes than the known facts support, most often to intimidate the accused into accepting a plea bargain” (OVERCHARGE, 2021).

[109] “[…] el diseño de espacios procesales o materiales de reparación, conciliación o, directamente, negociación entre los protagonistas de la interacción que produce el proceso penal, no resalta sino que desdibuja la importancia institucional del favor rei en la actividade jurisdicional” (RUSCONI, 1998, p. 53).

[110] “Art. 30. Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa” (BRASIL, 2019).

[111] “[…] o acordo de não persecução penal ocorre apenas na hipótese de confissão ou autoincriminação espontânea. Portanto, nenhuma garantia constitucional é subtraída do investigado, muito pelo contrário: a nossa experiência mostra uma taxa de aceite superior a 93% em acordos de não persecução penal, sempre mediante a orientação e aquiescência da defesa técnica” (SANTOS, 2019, p. 238).

[112] “Defense lawyers are supposed to provide a robust and meaningful defense to their clients regardless of guilt or innocence. Some defense lawyers seem to forget that obligation. They dismiss their clients as ‘guilty’ or unworthy, and don’t worry too much about providing zealous advocacy” (HENRY, 2020, p. 122).

[113] Vide: STRECK, 2010.

[114] “Nell’ampio raggio dele sue irradiazioni, il brocardo [iudex secundum allegata e probata partium iudicare debet] funziona come un reagente che rivela il paradigma costitutivo dell’ esperienza processuale di diritto comune in quanto fondata su quella che Nörr denomina (come avevano già fatto prima di lui i processualisti tedeschi del gemeines Recht e come faranno poi moltissimi altri studiosi, da van Carnegm a Lepsius, da Padoa Schioppa a Landau, ecc.) con il termine moderno di Verhandlungsmaxime [máxima da negociação], per rimarcare il potere in linea di principio monopolistico delle parti pure nelle iniziative istruttorie (con il giudice che decide – come scrisse San Tommaso occupandosi ampiamente dello iudicium nell’ ambito della Secunda secundae della Summa theologiae – ‘secundum ea quae fuerunt sibi proposita’)” (PANZAROLA, 2019, p. 174).

[115] “A doutrina das Maximen – evocada pelo Prof. Panzarola em sua conferência sobre ‘A evolução dos princípios no processo civil’ – dividiu em duas categorias os sistemas processuais: por um lado, aqueles regidos pela Verhandlungsmaxime, em que a obtenção do material instrutório cabe às partes; por outro lado, aqueles em que vige o ‘princípio inquisitório’ (Untersuchungsmaxime), onde a produção das provas é tarefa do juiz, eclipsando cada relevo autônomo da iniciativa da parte. Este último princípio foi progressivamente abandonado, tanto que, já em meados do século XIX, nenhuma legislação civil era ainda marcada pelo Untersuchungsmaxime. Dada a tendencial disponibilidade do objeto do processo civil, o repúdio ao método inquisitório convence os autores da época de que o princípio dispositivo seria um epifenômeno da disponibilidade do objeto processual. Mas, na Alemanha do final do século passado [XIX], toma corpo um movimento sceveratore, que distingue o ‘senhorio da parte […] ao pôr em andamento o processo e determinar o seu conteúdo’ (Dispositionsprinsip) da ‘dependência do juiz da parte no que diz apenas com a obtenção do material de fato e dos meios para prova-lo’ (Verhandlungsmaxime); o primeiro fenômeno diz respeito aos modos segundo os quais se pode requerer a tutela de uma situação substancial, o outro se refere à técnica processual, ao método de acertamento” (BRONZO, 2018, p. 84-85).

[116] “No campo do processo civil, criou-se um movimento de distinção dos conteúdos, colocando de um lado o poder das partes em levar ao processo e determinar o conteúdo a ser processado (Dispositionsprinsip), e de outro a questão do acertamento do caso com limitação do juiz aos poderes instrutórios das partes (Verhandslungsmaxime). Essa diferenciação foi usada como forma de possibilitar a atribuição de poderes instrutórios aos juízes do processo civil, independentemente da disponibilidade do conteúdo material dos direitos. Aquilo que é o conteúdo do Dispositionsprinsip vem traduzido como se fosse o conteúdo do princípio dispositivo, entretanto, trata-se de um desdobramento do princípio dispositivo, aqui conhecido como princípio da demanda. Enquanto o princípio da demanda se relaciona apenas com o exercício da ação (limitando, por exemplo, a ação ex officio), o princípio dispositivo tem um conteúdo mais amplo, e se relaciona com o processo durante todo seu percurso, em especial na limitação probatória do juiz” (VILLA, 2018, p. 259).

[117] “Como consequências deste rol monopolístico desempenhado pelo conceito de [ação penal como] direito subjetivo é que se chega a afirmações absurdas, como por exemplo, a afirmação de o Ministério Público possuir direitos fundamentais. De fato, como é possível uma instituição possuir direitos fundamentais? Demais disso, como é possível se defender a existência de um direito do Ministério Público à proposta de transação penal ou mesmo de diminuição da pena pela delação premiada (direito que sequer lhe pertenceria, se adotássemos o critério de conferir ao Estado, direitos)” (GLOECKNER, 2011, p. 51).

[118] “O denuncismo (no qual primeiro se ajuíza a ação penal para depois verificar a existência de provas aptas a formar um juízo condenatório), a generalidade das imputações (criptoimputação, segundo Cordero) capazes de sustentar a denominada ‘denúncia genérica’ são apenas alguns exemplos do panorama identificado por Calamandrei sobre os problemas do esboço de uma teoria geral da ação, nos patamares carneluttianos” (GLOECKNER, 2011, p. 55).

[119] “o CPC atual não mais se vale da categoria ‘condição da ação’ como gênero, de que são espécies a legitimidade ad causam e o interesse de agir. O CPC continua a regular essas espécies de requisito de admissibilidade do processo, não mais sob a rubrica ‘condição da ação’. […] Subsomem-se, então, à tradicional e consagrada categoria dos ‘pressupostos processuais’, guarda-chuva que abrange todos os requisitos de admissibilidade de um processo” (DIDIER JR., 2015, p. 342).

[120] “O exame do interesse de agir (interesse processual) passa pela verificação de duas circunstâncias: a) utilidade e b) necessidade do pronunciamento judicial. Há quem acrescente, ainda, a ‘adequação do remédio judicial ou procedimento’ como elemento necessário à configuração do interesse de agir, posição com a qual não concordamos, pois procedimento é dado estranho no estudo do direito de ação e, ademais, eventual equívoco na escolha do procedimento é sempre sanável (art. 250 e 295, V, do CPC-73)” (DIDIER JR., 2013, p. 246).

[121] “ainda que o entendimento do Conselho Nacional do Ministério Público [segundo o qual o cumprimento do acordo resultaria na ausência de interesse de agir por satisfazer a pretensão punitiva estatal] fosse considerado correto, a consequência prática dessa definição de interesse de agir é a criação de um problema ainda maior para o Ministério Público nacional, mas não dimensionado por aquele Conselho. Melhor explicando, se a ausência de interesse de agir decorreria do cumprimento do acordo de não-persecução penal, por qual motivo esse acordo não poderia ser realizado em toda e qualquer infração penal, em lugar de somente ser possível naquelas em que não houver violência ou grave ameaça à pessoa? Se a discussão envolve uma das condições da ação penal, ela estará ausente ou presente – com o perdão da redundância – em todo o tipo de ação penal, independentemente da infração penal cometida” (ANDRADE, 2017, p. 254).

[122] “Além das condições objetivas de aplicação da disponibilidade do conteúdo do processo penal, como no caso de renúncia à impugnação de sentença há, sem dúvida, grande esfera de atuação da disponibilidade nos conteúdos subjetivos desenvolvidos no processo, ou seja, das manifestações em sentido concreto” (VILLA, 2018, p. 268).

[123] “a promoção de arquivamento […] precederá sempre a proposta do acordo de não persecução penal, e dependerá, fundamentalmente, de uma análise quanto à viabilidade da acusação; já no acordo, pressupõe-se a viabilidade da acusação, mas o órgão acusador, em face de outros requisitos legais, decide propor uma solução antecipada que determina, ao fim e ao cabo, que um fato com todas as características de fato criminoso receba do Estado uma resposta mais branda do que aquilo que está previsto na Lei” (DUCLERC; MATOS, 2022, p. 244-245).

[124] GIACOMOLLI; EBERHARDT, 2021.

[125] “é condição para o acordo de não persecução que a pessoa jurídica repare o dano ou restitua a coisa à vítima (art. 18, I, Res. CNMP 181). Aqui, a condição é sine qua non e não pode, no caso de crime ambiental, ser mitigada, a teoria do que dispõem os arts. 17 e 27, ambos da Lei ambiental” (MORAES, 2018, p. 280).

[126] “a principal diferença entre mora e inadimplemento está na possibilidade ou impossibilidade do cumprimento da obrigação. Há mora quando, muito embora não cumprida a obrigação no lugar, no tempo ou na forma convencionados, ainda subsiste a possibilidade de cumprimento; o devedor ainda pode cumprir a obrigação, com proveito para o credor. Há inadimplemento absoluto quando a obrigação não foi cumprida, nem mais subsiste para o credor a possibilidade de receber a prestação […] O inadimplemento pode ser total ou parcial. Total quando a obrigação, em sua totalidade, deixou de ser cumprida, como, por exemplo, em virtude do perecimento do objeto; parcial se, compreendendo a obrigação, v. g., vários objetos, apenas alguns foram entregues” (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 313-315).

[127] “[…] o Código Civil aponta como efeitos do inadimplemento culposo da obrigação a mora, perdas e danos, juros, cláusula penal e arras, sendo certo que o legislador civil aplica tais efeitos para o não cumprimento de qualquer obrigação, quer seja esta contratual ou extracontratual” (TEIXEIRA, 2013, p. 96).